A mulher habitada | por Helena Arruda

#FlautaVertebrada: A mulher habitada pela poeta, planta e colhe e cozinha seu alimento e alimenta seu espírito faminto

Imagem: Balabinart
por Helena Arruda

I

a mulher habitada, perdida nas lembranças da poeta,
carrega todos os seus contrastes
[e seus medos].
enredada em seus pensamentos, ela busca a luz nas janelas do tempo,
que batem com o temporal que prenuncia.
sozinha, ela recolhe as roupas coloridas dependuradas nos varais da memória.
ao longe, o sol doura a plantação de trigo,
que ziguezagueia na ventania, sussurrando-lhe segredos.
vagarosa, ela caminha na tempestade, iluminada por suas conquistas cotidianas.

II

a mulher habitada vive com seus pés bem fincados na terra úmida e movediça,
onde germinam desejos e palavras e grandes florações de camomila ou
de uvas ou de amoras… tanto faz.
ela não precisa provar que é capaz de ir (ou de ficar). vive apenas e
burila as estações do ano:
planta e colhe e cozinha seu alimento e alimenta seu espírito faminto.
o corpo, não.
o corpo flana na multidão e olha para todas as direções e
retorna ao ponto onde tudo começou.
corpo-circular.

III

a mulher habitada reúne em si todos os seus opostos e
brinca de cabra-cega,
porque é necessário pôr vendas para não ver sua tristeza.
mas chorar, chorar ela não chora mais – prefere a reclusão do mundo e
os sonhos de Perséfone…

IV

e a imaginação e a loucura e os papéis e as tintas e
a música do Chico e as orquídeas e as bromélias e sua
pequena prisão.
a mulher habitada é,
porque se basta.

Helena Arruda nasceu em Petrópolis, RJ. É mestra e doutora em Literatura Brasileira (UFRJ). Poeta, contista, ensaísta, pesquisadora e revisora, é autora dos livros Interditos – poemas (2014); Mulheres na ficção brasileira – ensaios (2016), ambos pela Editora Batel; Corpos-sentidos (prelo, Editora Patuá) e A mulher habitada [ou: cadernos do fim dos dias], ainda sem editora. (Poema inédito que dá título ao livro A mulher habitada [ou: cadernos do fim dos dias], ainda sem editora)

Deixe uma resposta