“O movimento da Elza para dar o segundo não encontrou minha bochecha, pior do que isso: ao se deparar com o espaço vazio, seu pescoço caiu abruptamente para baixo”

por Tom Cardoso
A pandemia me fez sentir saudade até da família-cinco-beijos: toda vez que eu desço no Santos Dumont, repito para mim mesmo baixinho: “Aqui são dois beijos. Aqui são dois beijos. Aqui são dois beijos”. Carioca dá dois beijos. Paulista um.
Parece algo bobo, sem importância, mas não é. Uma vez, fui entrevistar a Elza Soares, carioca de Moça Bonita. O assessor nos apresentou. Dei o primeiro beijo e recolhi a cabeça para trás, me esquecendo do segundo. O movimento da Elza para dar o segundo não encontrou minha bochecha, pior do que isso: ao se deparar com o espaço vazio, seu pescoço caiu abruptamente para baixo, provocando um grito de dor. A Elza gritando parece a Elza cantando. É lindo.
Aqui em São Paulo é ainda pior. Os cariocas também se esquecem do nosso beijo unitário e vivem ficando no vácuo. Imagine quantos negócios e parcerias foram desfeitas porque alguém se sentiu ridicularizado.
E pensar quem em algumas cidades do Rio Grande são três beijos. No Nordeste também.
Mas nada se compara com uma pequena comunidade caiçara, Ubatumirim, no norte de Ubatuba, onde a tradição manda que se dê cinco beijos. Juro. Alicinha, minha namorada de adolescência era de lá, a caçula de 16 irmãos, sendo que 13 eram mulheres. Além da mãe, moravam com ela duas tias, uma avó e sete crianças, suas sobrinhas.
De modo que toda vez que chegava em Ubatumirim, morrendo de saudade da Alicinha, tinha, primeiro, que passar por um interminável corredor polonês afetivo.
Peguem a calculadora: 25 mulheres, 50 bochechas, 5 beijos em cada uma. 250 beijos. Levando-se em conta que cinco beijos levam cinco segundos, e que tem sempre um parente que gosta de conversar, mais o tempo que eu demorava para ir de uma bochecha à outra (elas não me recebiam em fila indiana), gastava-se 2 minutos por cabeça. 2 minutos x 50 mulheres = quase duas horas para, enfim, beijar quem eu queria beijar.
E uma das velhinhas da casa estava com Alzheimer. No terceiro beijo pensava que ainda estava dando o primeiro. Não acabava nunca. Terminei com a Alicinha e comecei a namorar a Tina, da Pompéia. Filha única. Um beijo na mãe, Dona Tinoca, e pronto.
Eu amo a deselegância discreta e o minimalismo das paulistas.