20 minutos para mudar o futuro

Imagine ter a chance de voltar no tempo e ter a oportunidade de talvez, mas somente talvez, mudar o curso da história – e de quebra, salvar milhares de vidas e preservar o psicológico de tantas outras. Você voltaria?

uma crônica de Isabela Ramalho

Adélio estava no seu terceiro copo de cerveja, quando conferiu o relógio e concluiu que só restava 15 minutos do seu tempo no bar. Olhou para os lados e contou mais dois homens, cada um sentado em uma extremidade do local. Eram as novas regras para um bar daquele tamanho, apenas 3 clientes podiam entrar por vez e só podiam permanecer ali por até 40 minutos.

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Atraído por uma risada, algo raro em seu tempo, se voltou para a entrada do estabelecimento e viu uma jovem com uma máscara estampada “18+”, uma indicação de que era maior de idade e pela alegria da moça e a velocidade em que digitava, estava comemorando via conferência o seu ingresso na chamada fase adulta. Adélio se voltou novamente para seu copo e enquanto passava os dedos no vidro gelado, se lembrou de sua esposa e filha. Sua filha Roberta também estaria com 18 anos se ainda estivesse viva.

Enquanto pensava em sua filha falecida, sentiu uma lágrima escorrendo pelo seu rosto, mas se conteve, pois se começasse a emitir sons, principalmente similares a de um resfriado, poderia ser arrastado para fora do local e levado sabe-se lá para onde. Perdido em seus pensamentos, lembrando da sua família que havia falecido há 10 anos por causa da pandemia de corona vírus, sentiu uma respiração extremamente perto do seu rosto.

Em um impulso Adélio se virou já preparado para empurrar o sujeito que estava desrespeitando os limites de espaço, quando percebeu que não havia ninguém sentado ao seu lado. Assustado e confuso, olhou novamente para seu relógio para verificar quanto tempo ainda tinha no bar, mas percebeu que seu visor estava parado. O homem reiniciou seu dispositivo, mas por mais que pressionasse o botão, o mesmo não respondia ao comando. Sabendo que se arriscaria, Adélio se voltou para o cliente a sua esquerda e antes de perguntar as horas, notou que o homem parecia congelado, não piscava e trazia um sorriso bizarro.

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Olhou então para o homem da direita e esse estava ainda mais estranho, pois além de estar paralisado, sua bebida também estava, só que entre a garrafa e o copo. Sem saber o que fazer, Adélio pegou seu casaco e ao se virar para o balcão em uma última tentativa de tentar compreender o que ocorria, notou que além dele havia outra figura no espelho do bar, porém ao se voltar para o banco ao seu lado, não havia ninguém ali.

Adélio começou a sentir um arrepio e só queria sair o mais rápido possível dali, mas quando já havia dado as costas para o espelho, a figura resolveu falar com ele:

Adélio? Quer vingar a morte de sua filha e esposa?

 Assustado e ao mesmo tempo interessado no assunto, Adélio se voltou para o espelho e em um movimento rápido olhou para a figura e acenou com a cabeça mostrando interesse.

– Que bom, que bom Adélio… – respondeu a figura que se movia ao redor do homem assustado e completou:

– Eu posso lhe ajudar com isso!

Sem saber se estava delirando ou não e sentindo o ser se movendo bem próximo, Adélio ainda com os olhos fechados perguntou:

Como…como você pode me ajudar?

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– E se eu te contar que posso viajar no tempo? Que posso te levar para qualquer momento da história! – E com a visível empolgação do homem o ser continuou – mas existe uma condição.

– Qual?

– Você só terá 20 minutos para se vingar. Se conseguir, viverá o futuro que sonhou. E se não conseguir…terá que viver tudo novamente, inclusive a dor de ver seus entes queridos falecerem mais uma vez.

Adélio pensou por alguns minutos enquanto andava em círculos, fez alguns cálculos, relembrou o passado e começou a pensar. Quem? Quem era seu alvo? O real culpado pela morte de sua esposa e filha. Ele sabia que não poderia matar um vírus, mas poderia matar uma pessoa. Adélio então de repente parou, arregalou seus olhos, deixou seu casaco cair no chão e falou:

– Já sei! Já sei quem devo matar! – Adélio se voltou para o banco e em seguida para o espelho e continuou – Quero matar o ex-presidente Jair Bolsonaro.

 O ser se aproximou dele a tal ponto que era possível sentir sua respiração no topo da cabeça e após alguns segundos de silêncio, o ser se moveu rapidamente e falou:

– Feito! – ao mesmo tempo em que estalou os dedos.

Adélio de repente se viu em meio a uma multidão. Passou a observar as pessoas ao redor e se sentia estranho, pois há muito tempo não via e muito menos participava de uma aglomeração. Olhou com mais cuidado os integrantes que portavam vuvuzelas, cartazes e se vestiam em sua grande maioria, de camisetas da CBF ou roupas no tom verde e amarelo.

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Adélio então parou por alguns segundos e percebeu onde estava. Era uma manifestação pró Bolsonaro que havia ocorrido no período eleitoral de 2018. Olhou para o relógio e se lembrou que não tinha muito tempo para cumprir sua missão. Passou então a seguir o som dos manifestantes para localizar o alvo no meio do tumulto. Quando encontrou o alvo, olhou novamente para o relógio e viu que só lhe restavam 5 minutos. E em um movimento rápido, Adélio se lançou em direção a um suposto manifestante que portava uma faca na cintura, e em um segundo movimento e sem nenhuma estratégia, deu uma série de estocadas na direção do alvo que já estava a seu alcance. 

Antes mesmo de saber se seus golpes tinham ou não acertado o alvo, Adélio foi derrubado por uma onda de seguranças que se fingiam de manifestantes e no meio da confusão, mal podia se mexer e muito menos verificar as horas em seu relógio.

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Após alguns minutos e já sendo arrastado, Adélio concluiu que sua missão havia dado errado e que agora estava destinado a rever a presidência de Bolsonaro, rever as crises políticas, econômicas, o caos na saúde e o falecimento de inúmeras pessoas por um vírus que poderia ter sido contido, se ele tivesse tido sucesso na sua missão.

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