||1984|| | por Andri Carvão

#FlautaVertebrada: uma alteração inesperada e aparentemente banal no cotidiano revela uma verdade mais que profunda da vida

Imagem: Pinterest
por Andri Carvão

Para Sergio Rocha
(Tá me devendo o 2112)

Todos os dias quando volto do trabalho,
da janela do ônibus ou do carro
vejo o número de rua de um estabelecimento comercial: 1984.
Há anos e anos, passo por essa rua
e essa placa já faz parte do meu caminho,
do meu cotidiano;
ela demarca o limite entre a minha obrigação
e o descanso,
é a fronteira entre o ganha-pão
e o balanço.

Entra ano e sai ano e não tem como não olhar,
não tem como não notar: a placa é tímida,
mais uma entre tantas outras
– mas tá ali!
Talvez só eu mesmo bote reparo nela.

Passado algum tempo,
o lugar vazio,
acho que a tal empresa faliu ou mudou de lugar.
Daí uma nova assumiu o ponto e trocou os números
– continuou 1984 –, mas substituiu a numeração
por números maiores e coloridos,
cada qual com uma cor.
A placa fica, o homem sai. A vida é uma distopia.

 

Andri Carvão cursou artes plásticas na Escola de Arte Fego Camargo em Taubaté, na Fundação das Artes de São Caetano do Sul e na EPA – Escola Panamericana de Arte [SP]. Graduando em Letras pela Universidade de São Paulo, o autor tem diversas publicações online e antologias. Um Sol Para Cada Montanha [Chiado Books, 2018], Poemas do Golpe [editora Patuá, 2019] e Dança do fogo dança da chuva [editora Penalux], entre outros. Escreve n’O Partisano quinzenalmente às terças-feiras.

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