O Brasil de Bolsonaro se curva diante da extrema-direta, na esperança de trazer figuras como Trump à vida, ao passo que tenta desesperadamente se manter no poder

por Alexandre Lessa da Silva
Quando se encontra um artigo sobre os Estados Unidos no Brasil, é preciso ter cuidado para lê-lo. É possível encontrar articulistas alertando sobre os esquemas furtivos do “deep state” para controlar o mundo, defesas eufóricas do país como o baluarte da liberdade e da democracia, comemorações efusivas, como no caso do Afeganistão pelo enfraquecimento do Império, preocupações, por parte da direita e da esquerda, com a ameaça militar estadunidense em relação ao Brasil, em especial no caso da Amazônia. Em relação a esse último tópico, há a lembrança de quando as Forças Armadas alardeavam o “perigo americano” para iniciar o Projeto SIVAM (Sistema de Vigilância da Amazônia). Antes de implementar o sistema, uma empresa estadunidense ganhou a concorrência, ou seja, contratamos os Estados Unidos para nos proteger dos Estados Unidos. Até hoje há pessoas preocupadas com a invasão estadunidense de nosso território, baseadas em informações sem fundamento publicadas lá fora.
Antes de qualquer coisa, é preciso concordar com Chomsky e saber que o império estadunidense continua “esmagador”. Não se pode interpretar a ascensão do Talibã e a saída das tropas norte-americanas como uma fraqueza do Império, como bem aponta Chomsky. A verdade é que todo império tem seus interesses, e os Estados Unidos não são diferentes. Novas preocupações tomaram o lugar do Afeganistão e do Talibã que, só passou de um punhado de pessoas em função dos interesses estadunidenses, assim como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico. Os Estados Unidos agem por seus interesses, o que faz deles um império pragmático. Certamente há princípios e valores no país, mas basta conflitarem com seus interesses para serem abandonados, como demonstra o caso afegão.
Quanto à invasão militar, ninguém precisa se preocupar, os Estados Unidos não jogam dinheiro no lixo. Afinal, porque o gigante da América do Norte iria se preocupar em administrar um país gigantesco como o Brasil se eles têm tudo o que querem, ou praticamente tudo, dependendo do governo que esteja no poder, fazendo pouquíssimo esforço político e econômico? Realmente, uma invasão é apenas fruto de teorias da conspiração. Exercícios militares no Brasil, como os que ocorrem desde o golpe de 2016 e que continuam até hoje, pouco representam para os Estados Unidos. São apenas marcas de uma subserviência e, no caso do governo Bolsonaro, apenas uma tentativa desesperada de salvar o próprio pescoço. Já o caso da Base de Alcântara, a coisa muda de figura. Alcântara tem importância estratégica para os Estados Unidos e o acordo promulgado pelo governo Bolsonaro certamente não foi encarado muito bem por outras potências com fortes relações comerciais com o Brasil.
O deep state, imperium in imperio, de fato existe, mas ele não deve ser pensado como normalmente o fazem. Não é o deep state que comanda os Estados Unidos, ele principalmente orienta quem comanda. Como pôde ser observado com Trump, é o presidente e sua cúpula quem realmente dá a última palavra, visto que são os representantes do dinheiro e do poder estadunidenses e mundiais. Dessa forma, não foi o deep state estadunidense que derrubou Dilma, senão o próprio Obama. Arrisco a dizer que a resposta de Dilma foi a mais dura entre todos os líderes espionados pelos Estados Unidos e souberam através das denúncias de Edward Snowden. Dessa forma, não pode ser esquecido que Obama é um ser humano e como tal, o fator emocional não pode ser descartado, ainda mais quando se casa com os interesses estatais.
Bolsonaro só foi eleito em função da eleição de Trump. Caso isso não tivesse acontecido, estaríamos com uma figura neoliberal comandando o país, e não um fascista. Entretanto, para azar de Bolsonaro, Trump não foi reeleito e os democratas não morrem de amor por seu governo.
Biden e seu governo certamente já perceberam que, por sua incompetência e política, Bolsonaro é um problema para os Estados Unidos tão grande ou maior que um governo Lula. Entretanto, há um problema ainda maior para ele e os Estados Unidos que precisa ser resolvido.
Bolsonaro é o maior representante da “nova direita” (extrema-direita neofascista) do mundo que ainda está no poder. Sua reeleição representaria um fortalecimento desse espectro político e, consequentemente, um empoderamento de Trump e seus aliados, como já demonstrou Steve Bannon, o mais famoso ideólogo de Trump. Já Trump representa, hoje, a maior ameaça àquele sistema político que os estadunidenses chamam democracia e fortalecê-lo seria um tiro no próprio pé. Portanto, novas vitórias de líderes da chamada nova direita representam, hoje, o maior risco de desestabilização do sistema político norte-americano. Por isso, insistir em Bolsonaro certamente não é um bom negócio para os Estados Unidos, está claro como a água. Resta saber até onde os Estados Unidos conseguem enxergar.