Da Revolta da Vacina à quarentena sem revolta

Dos criadores de “Revolta da Vacina”, vem aí o remake “Revolta da Quarentena”. Aparenta ser piada, mas é sério. Parece que o óbvio não é mais tão óbvio, fazendo com que uns duvidem da sanidade de outros. É compreensível que o contexto da primeira Revolta culminasse nela, mas qual é mesmo a desculpa dos bolsonaristas para se rebelar contra a quarentena mesmo?

Imagem: Leonidas/Acervo Fiocruz
por Diego Abrahão


Estamos no meio de um debate que pareceria óbvio se não houvesse em cada obviedade uma série de contradições. Ficar ou não de quarentena? Os cientistas e médicos no geral dizem que sim, ficar deveria ser obrigatório para não sobrecarregar o sistema de saúde. Os desconfiados acham que é tudo mentira engendrada pela nova ordem mundial dos illuminati ou mais um método comunista de tomar o poder. E alguns empresários querem que tudo acabe logo porque finalmente não são eles que vão ficar expostos. Mas como em todo debate, é importante procurar na história alguma situação parecida para fazermos uma comparação.

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E com isso, rapidamente descobrimos a “Revolta da Vacina”. O nome parece um pouco estranho, por que Revolta da Vacina? Quem se revolta contra uma vacina? Será que tem relação com esses obscurantistas que conhecemos atualmente, que insistem na ideia de que a Terra não é redonda? Vamos com calma! Naquela época não eram esses grupos exóticos identificados como bolsonaristas que ficaram desconfiados, ainda bem!

O Rio de Janeiro foi abaixo

A Revolta da Vacina veio na esteira de um grande projeto de urbanização no Rio de Janeiro, que naquele momento, 1904, era a capital federal. A burguesia carioca queria afastar a pobreza, levando o povo para longe das suas vistas, e para isso usou da boa e velha repressão. Paralelo a esse projeto repressivo, veio a obrigatoriedade da vacina.

O Rio de Janeiro do começo do século XX sofria com diversas enfermidades procedentes de outros países, justamente por ser uma região portuária. Varíola, Febre Amarela e até mesmo Peste Bubônica já eram conhecidas e presentes.

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Nesse contexto temos Oswaldo Cruz, médico e sanitarista brasileiro, talvez o mais importante até hoje, que propôs a obrigatoriedade da vacina contra a varíola. E teve sua proposta política posta em prática pelo então presidente, Rodrigues Alves, só que através de muita brutalidade.

A repressão era tamanha que a polícia sanitária invadia as casas e aplicava a vacina de forma obrigatória nos cidadãos. Esse tipo de política, somada à desconfiança popular e aos maus tratos contínuos do governo, fez com que o povo não acreditasse nos benefícios da vacina. Ao contrário, só aumentou o ódio contra o governo, o que acabou resultando em uma das maiores revoltas que o Brasil já viu.

Não entraremos aqui nos detalhes da revolta e das alas políticas envolvidas. De maneira geral naquela época as vacinas eram novidade para o povo, e mesmo grandes figuras da cultura nacional não tinham muita confiança em sua procedência, como o jurista e político Rui Barbosa:

“Não tem nome, na categoria dos crimes do poder, a temeridade, a violência, a tirania a que ele se aventura, expondo-se, voluntariamente, obstinadamente, a me envenenar, com a introdução no meu sangue, de um vírus sobre cuja influência existem os mais bem fundados receios de que seja condutor da moléstia ou da morte”.

As intenções de Oswaldo Cruz, corretas ou não, eram um ponto secundário, havia um descontentamento e a violência com que a vacina foi aplicada acendeu a fagulha da revolta. Não era um problema de que o povo não queria a vacina, apesar de receoso, mas de que o povo não acreditava no governo.

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2020, o COVID-19 e as contradições da quarentena

Mais de 100 anos depois e estamos de novo sofrendo com uma epidemia. O caso é tão grave que governos do mundo inteiro levantaram a questão da quarentena e do “Lockdown” que restringe ainda mais a saída das pessoas de suas casas e fecha quase todo o comércio. Esse método tem como fim controlar a disseminação da doença dando tempo para que os hospitais não fiquem superlotados e possam atender a todos.

Ao contrário da Revolta da Vacina, não houve nenhuma insurreição até o momento. No Brasil a obrigatoriedade da quarentena ainda não foi levada de forma incisiva pelos governos, e há uma forte divergência com o Governo Federal que apoia a abertura do comércio e diz que a pandemia é um exagero, ou apenas uma “gripezinha”.

A situação hoje parece bem mais contraditória, com muitos interesses em jogo entre diversas alas da burguesia e até mesmo de partidos de esquerda. Mesmo que ainda não haja uma revolta, a maneira como as medidas vão sendo tomadas, a escassez de informações e a deterioração econômica, criam um ambiente instável que vem se aprofundando desde antes mesmo do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016.

A maioria dos governadores apoia a quarentena, seja por demagogia eleitoral ou não, pois eles sabem que muitas vítimas em seus estados podem escalar a situação para uma grande turbulência política. O caso da Itália, que não adotou as medidas de quarentena logo no início, está aí como exemplo. Já o presidente da república, Jair Bolsonaro, um porta-voz direto do governo norte-americano, aposta no caos da informação para se sair bem e usa a situação econômica para justificar suas posições.

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Bonde_virado_durante_a_Revolta_da_Vacina,_Novembro_de_1904
Bonde virado durante a Revolta da Vacina, Novembro de 1904

Ainda sem revolta, até quando?

É bem difícil saber, mas o que já sabemos é que as comunidades mais pobres são e serão as mais afetadas, tanto pela precariedade das condições sanitárias e de saúde, quanto pela falta de empregos e condições mínimas de subsistência.

Diante de toda a pressão da oposição, o governo criou uma renda básica de R$600 por três meses para desempregados e pessoas em maior vulnerabilidade. Não muito a favor, mas foi até mesmo aconselhado por setores do próprio governo, tudo para tentar evitar um caos social a curto prazo. Porém, até o fechamento desta matéria, muitas pessoas estavam se queixando da burocracia e demora para ter acesso e receber o dinheiro.

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É difícil tentar prever quando vai acabar essa crise, talvez siga o modelo da revolta da vacina de 1904, talvez tenha um golpe militar ou o governo Bolsonaro possa até mesmo cair. É uma conjuntura complexa, mas uma coisa é certa, a situação se avoluma para uma mudança política drástica e dramática.

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