Vindo a público há 13 anos, o Manual de Sabotagem da CIA, editado em 1944, descreve comportamentos ainda comuns em muitos locais de trabalho e em organizações de esquerda

por Danilo Matoso
Você está naquela plenária que já demorou demais, parece que tudo já foi resolvido e o seu partido – ou sindicato, ou coletivo – já tirou diversos encaminhamentos práticos. É quando aquele clássico espírito de porco levanta uma “questão de ordem”: “esperem, companheiros, será que tudo isso que discutimos nesta plenária foi válido? Esta é a instância correta?”. De repente vocês descobrem que talvez não. Que talvez tenham que debater aquilo tudo de novo “pelos canais apropriados”. Depois disso, a discussão se perde: não há encaminhamento prático algum. Nada acontece.
Pode ser que nosso zeloso autor da “questão de ordem” tenha agido como um sabotador – ainda que de modo involuntário. Isso é algo do que aprendemos ao consultar um Manual de campo de sabotagem simples editado em 1944 pela Central Intelligence Agency [Agência Central de Inteligência] (CIA), aberto ao público em 2008. Segundo consta em sua introdução, o objetivo do documento é “caracterizar a sabotagem simples, ressaltando seus efeitos possíveis e apresentando sugestões para estimulá-la e levá-la a cabo”.
Com prefácio de ninguém menos que o criador da CIA, William J. Donovan, então à frente do que se chamava Office of Strategic Services [Escritório de Serviços Estratégicos], a peça foi editada ainda durante a Segunda Guerra Mundial, em 1944, e se destinava sobretudo a agentes infiltrados em países da Aliança do Eixo – como Alemanha, Itália e Japão –, tendo sido usado evidentemente na Guerra Fria contra a União Soviética e os demais países comunistas nas décadas seguintes.
Recentemente, a CIA tirou do ar a página em que publicara o Manual, mas ele hoje está disponível para download em diversos sites, sendo possível mesmo adquirir uma edição facsimilar de 40 páginas do documento na Amazon. Segundo a própria CIA, sua publicação em 2008 ocorreu porque algumas das instruções ali contidas “continuam surpreendentemente relevantes”, constituindo um “lembrete de como é fácil minar a produtividade e a ordem”. Desde então, volta e meia o manual é publicado em sites ligados à cultura empresarial como uma espécie de treinamento às avessas, pois muito do que o manual apregoa de fato é praticado em muitos locais de trabalho.
Segundo o Manual, esse tipo de sabotagem “é baseado em oportunidades universais de tomar decisões equivocadas, na adoção de uma atitude não cooperativa e na indução a outros para que sigam tal exemplo. Tomar uma decisão equivocada pode ser simplesmente uma questão de posicionar ferramentas num local ao invés de outro. Uma atitude não cooperativa pode envolver nada além da criação de uma situação desagradável entre os colegas de trabalho, criando disputas ou demonstrando mau-humor e estupidez. Esse tipo de atividade, às vezes denominada de ‘elemento humano’ é frequentemente a causa de acidentes, atrasos e obstruções em geral mesmo sob condições normais. O potencial sabotador deve descobrir que tipo de decisões equivocadas ou de não cooperação normalmente se encontram em seu ramo de trabalho e deve então planejar sua sabotagem de modo a ampliar a ‘margem de erro’.”
É notável que organizações políticas não venham tratando de republicar o material como aquelas empresariais. Primeiro porque, evidentemente, diversos agentes sabotadores da CIA foram infiltrados nas organizações de esquerda em todo o mundo. Segundo porque alguns dos procedimentos ali descritos ainda hoje parecem bastante arraigados na cultura política de algumas dessas organizações: o burocrático encaminhamento por “canais adequados”, os discursos intermináveis em plenárias, a criação de comitês enormes para desempenhar tarefas simples – ao final executadas por poucos e criticadas por muitos –, a priorização de temas irrelevantes.
É especialmente alarmante verificar que o Manual estimulava justamente o que chama de “motivação do sabotador” por meio do incentivo da cultura de sabotagem pelos agentes, de modo que ela fosse executada não pelos infiltrados, mas pelo “cidadão-sabotador individual” por meio de “inúmeros atos simples”, e “sem necessidade de uma conexão ativa com um grupo organizado”. Ou seja: a cultura da sabotagem provavelmente foi instilada com sucesso em diversas organizações de esquerda ainda hoje ativas ou em suas decendentes. O habitus deletério que muitos ostentam talvez inadvertidamente podem ser nada menos que fruto de uma antiga campanha de sabotagem. Isso porque, segundo o Manual, “a estupidez proposital é contrária à natureza humana”, e por isso o sabotador “necessita de frequente pressão, estímulo ou afirmação, bem como de informações e sugestões com respeito a métodos exequíveis de sabotagem simples”.
Ao longo dos dez primeiros capítulos do Manual o agente aprende: “Sabotagem simples: sob condições gerais; antes de e durante uma ofensiva militar; Sugestões específicas para sabotagem simples em: edifícios; na água em geral; na produção industrial, em manufaturas; na siderurgia e metalurgia; na mineração; na agricultura; nos transportes ferroviários; rodoviários; aquaviários; nas comunicações; na energia elétrica”. Mas os capítulos mais interessantes, são o décimo primeiro e o décimo segundo, dedicados respectivamente à Interferência em geral em organizações e na produção e a artifícios em geral para baixar o moral e criar confusão.
Para estimular a organização de nossa esquerda, O Partisano traz aqui uma nova tradução integral dessas duas partes. Como já foi dito, algumas dessas práticas são comuns e não significam absolutamente que seu adepto seja um “infiltrado da CIA”. Ao contrário, tratam-se de vícios quase que naturais que os agentes do imperialismo simplesmente estimularam no passado e talvez ainda o façam hoje. Enfim: verifique se onde você anda militando há algum “cidadão-sabotador” que age da maneira descrita – e surpreenda-se ao constatar que você mesmo já pode ter feito algo do que a CIA propõe…

11. Interferência em geral em organizações e na produção
(a) Em organizações e conferências
- Insista em fazer tudo através de “canais” adequados. Nunca permita o uso de atalhos para acelerar decisões.
- Faça “discursos”. Fale sempre que possível e fale muito. Ilustre seus “argumentos” com anedotas demoradas e relatos de experiências pessoais. Nunca hesite em fazer alguns comentários “patrióticos”.
- Quando possível, encaminhe todos os assuntos para comissões, para “estudos e considerações mais aprofundados”. Tente criar comissões tão grandes quanto possível – nunca com menos de cinco participantes.
- Levante questões irrelevantes tão frequentemente quanto possível.
- Dispute sempre a redação precisa de comunicações, minutas, resoluções.
- Volte em questões já resolvidas em reuniões anteriores e tente reabrir o debate sobre a adequação daquela decisão.
- Advogue “cautela”. Seja “razoável” e instigue seus colegas a também serem “razoáveis” e a evitar uma pressa que mais tarde pode trazer constrangimento e dificuldades.
- Preocupe-se com a correção de qualquer decisão – levante a questão se tal ação, como ali é avaliada, é da competência do grupo ou se pode conflitar com a política de alguma instância superior.
(b) Gestores e supervisores
- Exija pedidos por escrito.
- “Entenda mal” os pedidos. Faça perguntas infindáveis ou envolva-se em demorada correspondência sobre cada pedido. Reclame deles sempre que puder.
- Faça todo o possível para atrasar o atendimento dos pedidos. Mesmo que partes de um pedido estejam prontas de antemão, não o entregue até que esteja completamente pronto.
- Não peça novos materiais de trabalho até que seus estoques estejam praticamente exauridos, de modo que qualquer mínimo atraso no atendimento de seu pedido signifique uma paralisação no trabalho.
- Peça materiais de alta qualidade difíceis de serem encontrados. Se você não os obtiver, compre briga por eles: argumente que materiais inferiores implicarão trabalho inferior.
- Ao distribuir tarefas, sempre priorize a atribuição de trabalhos desimportantes primeiro. Garanta que os trabalhos importantes sejam atribuídos a trabalhadores ineficientes com máquinas precárias.
- Insista em realizar um trabalho perfeito em produtos relativamente desimportantes; devolva para retoques aqueles com pequenos defeitos. Aprove peças defeituosas cujos vícios não sejam visíveis a olho nu.
- Cometa erros em envios, de modo que peças e materiais sejam enviados para locais errados na produção.
- Ao treinar novos trabalhadores, dê instruções incompletas ou errôneas.
- Para baixar o moral e, com ele, a produção, seja complacente com trabalhadores ineficientes; conceda-lhes promoções que não merecem. Discrimine trabalhadores eficientes, reclame injustamente de seu trabalho.
- Promova palestras quando há trabalho urgente a ser feito.
- Multiplique a documentação de todos os modos plausíveis. Inicie arquivos redundantes.
- Multiplique os procedimentos e autorizações envolvidas na emissão de instruções, pagamentos etc.. Tente fazer com que três pessoas precisem aprovar tudo o que cada um fizer.
- Aplique todas as normas ao pé da letra.
(c) Trabalhadores de escritório
- Cometa erros ao transcrever quantidades de materiais em pedidos. Misture nomes similares. Use endereços errados.
- Prolongue a negociação com órgãos públicos.
- Arquive documentos essenciais no local errado.
- Ao fazer cópias em papel carbono, faça sempre uma a menos, de modo que uma nova tarefa de cópia seja necessária.
- Ao atender o telefone, diga a pessoas importantes que o chefe está em outra ligação, ou falando em outro número.
- Segure a correspondência até a próxima coleta.
- Espalhe boatos perturbadores que pareçam ter origem interna.
(d) Empregados
- Trabalhe lentamente. Pense em maneiras de aumentar o número de movimentos necessários em seu trabalho: use um martelo leve no lugar de um pesado, tente usar uma chave inglesa pequena quando uma grande for necessária, use pouca força quando muita é demandada etc..
- Invente tantas interrupções em seu trabalho quanto puder: ao trocar o material em que está trabalhando – como numa fresa ou prensa – gaste tempo excessivo para fazê-lo. Se você está cortando, conformando ou executando outro trabalho preciso, tire as medidas duas vezes sempre que necessário. Ao ir ao banheiro, gaste um tempo maior que o necessário. Esqueça ferramentas, de modo que você precise retornar para buscá-las.
- Mesmo que você conheça o idioma, finja que não entende instruções numa língua estrangeira.
- Finja que as instruções são difíceis de entender, e peça para que elas sejam repetidas mais de uma vez. Ou finja que você está especialmente ansioso por fazer seu trabalho e importune seu chefe com perguntas desnecessárias.
- Execute seu trabalho precariamente e culpe as ferramentas, máquinas ou equipamentos ruins. Reclame que eles estão lhe impedindo de fazer seu trabalho direito.
- Nunca transmita sua habilidade e experiência a um trabalhador novato ou menos habilidoso.
- Responda grosseiramente seus patrões de todos os modos possíveis. Preencha formulários de modo tão ilegível que eles precisem ser refeitos; cometa erros ou omita a informação pedida em formulários.
- Se possível, reúna ou ajude a organizar um grupo para apresentar os problemas dos empregados à gerência. Garanta que os procedimentos adotados sejam tão inconvenientes quanto possível para a gerência, envolvendo a presença de um grande número de empregados em cada apresentação, implicando mais de uma reunião para cada queixa, levantando problemas em grande medida imaginários etc..
- Desvie materiais.
- Misture peças boas com sucata inútil e peças rejeitadas.
12. Artifícios em geral para baixar o moral e criar confusão
- Dê explicações longas e incompreensíveis quando questionado.
- Relate espiões imaginários ou perigos à Gestapo ou polícia.
- Aja estupidamente.
- Seja tão irritadiço e conflituoso quanto possível sem se envolver em problemas.
- Interprete erroneamente todos os tipos de normas envolvendo assuntos tais como racionamento, transporte, regras de trânsito.
- Reclame de materiais de reposição.
- Em público, trate friamente naturais de países do eixo ou os colaboracionistas.
- Interrompa todas as conversações quando naturais de países do eixo ou colaboracionistas entrarem num café.
- Chore e soluce de modo histérico em toda ocasião, especialmente quando questionado por atendentes do governo.
- Boicote todos os filmes, diversão, shows, jornais que estejam de qualquer modo com as autoridades traidoras.
- Não coopere em planos de resgate.