Paulo Galo, Wesley Safadão e o pastor: a estética no centro do debate

No Brasil, o que dá cadeia em tempo recorde: queimar estátua de genocida ou ser filmado passando a mão numa criança?

por Vinícius Carvalho
A queima da estátua acabou se tornando o que alguns alertaram: catarse coletiva, belas fotos no Instagram, tiradas engraçadas e lacradoras no Twitter para gente de classe-média. Mas, dois pobres presos, um casal, Paulo Galo e sua esposa, Géssica; e a filha do casal, de 3 anos de idade provavelmente tendo que ficar com a avó.

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A prisão é ilegal, mas alguém no Brasil de Bolsonaro, um país que mata Marielle e fica por isso mesmo, acredita ainda em institucionalidade?

No último final de semana deste mesmo país aconteceu uma festa que juntava tudo o que tem de mais horrendo na nossa interminável crise estética: Wesley Safadão, um pastor neopentecostal bolsonarista fanático por Israel, Tirulipa, aglomeração, muita música ruim e um desfile de pessoas com harmonização facial.

Neste festim diabólico, o “pastor ” foi filmado apalpando uma menina – criança – por trás. Primeiro mão na barriga, até subir aos seios. A garota se desvencilhou e o pastor sai de lado, sorridente, de boné e óculos escuros, ajeitando a camisa com o seu pênis nitidamente duro. Desculpe a crueza das palavras. Mas o pastor está contando com um severo apoio de subcelebridades nas suas redes sociais e até ganhou uma deferência dos pais da menina, a vítima: “o nosso irmão não seria capaz disso”.

Foi defendido por toda a sua renca de parceiros horrorosos, Wesley Safadão e sua família lamentável, Tirulipa e outros menos conhecidos, porém não menos botocados e tingidos.

Estamos no Brasil e não na França, onde queimar Ferraris e Porsches em atos “simbólicos” não dá prisão. No Brasil, as forças de segurança ainda servem também para defender patrimônios. E aqui falo sobre todo e qualquer patrimônio, inclusive referente à classe, inclusive reputações. Nem um pio do Ministério Público, ameaça de inquérito ou o que quer que seja para investigar tal pastor.

Pode parecer piada ou ironia o título deste texto, mas não é. Quando trato de “estética” e falo de sua crise, não o faço de forma acadêmica, mas ela pode, sim, vir a ser. É um bom debate que precisa ser travado. Para além da estética tratada como o termômetro de um fenômeno social que serve como ferramenta de análise de processo histórico, o pastor e seus amigos alegaram um problema estético de outra ordem: corporal e individual.

Por exemplo, quando eu vi um pastor neopentecostal que ama Israel, bolinando uma criança, numa festa na casa de Wesley Safadão, frequentada pelo Tirulipa, eu só joguei o nome do Pastor no Google, e de cara veio um vídeo dele declarando voto no Bolsonaro. É regra? Não. Mas é uma tendência, um fenômeno que marca o nosso tempo, a crise pós-2008 e a superação do petismo.

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Segundo o Pastor safadão e Safadão, o Wesley – não necessariamente nesta ordem – o assediador flagrado tem sérios problemas com as suas gordurinhas localizadas, por isso mexe tanto na camisa. Sinceramente nunca ouvi falar que existe tecido adiposo na piroca, ou sequer que é uma condição fisiológica que órgão sexual masculino fique enrijecido ao encostar numa criança. O homem de Deus, pelo visto, sofre de forma contumaz do pecado de luxúria. Além de ser um vaidoso irremediável.

Já Paulo Galo, que não cometeu nenhum pecado, e se cometeu crime, foi um que sequer gera reclusão, foi preso em tempo recorde. Mas outra questão estética, e, na minha hipótese, por um erro de avaliação e má orientação de Galo – como diria minha mãe, “más companhias” – pode ter influenciado o jovem entregador.

Paulo Galo é um homem jovem, um militante conhecido nacionalmente e que acredito que ainda não tenha mensurado a importância da sua luta. Galo, caso alguém esteja lendo e não o conheça, é uma liderança que surgiu das demandas materiais do novo mundo do trabalho, os empregados de aplicativos. No caso dele, Ifood e Rappi, mas sua luta se estendeu por toda a categoria, Uber, 99Taxis, Uber Eats e toda a gama desse tipo de prestação de serviços.

Este deve ser um dos setores que mais emprega gente no país na atualidade e são trabalhadores e trabalhadoras sem a mínima seguridade social ou previdenciária. É o ponto de inflexão do que chamam de pós-capitalismo ou capitalismo tardio. Um mundo infinitamente pior do que o sonhado na época da Guerra Fria.

Galo não era um militante clássico de academia ou de movimentos sociais de classe-média; era um militante orgânico, uma pedra bruta a ser lapidada que fala diretamente com trabalhadores que, no geral, não possuem a densidade ideológica que a nova esquerda exige para chamar de “companheiro”. Paulo Galo, até bem pouco tempo, era ladeado e falava com trabalhadores que estão pouco se fodendo para queima de estátuas e lutas simbólicas. São trabalhadores e trabalhadoras que estão preocupados se terão o que comer no dia seguinte, a estética nessas pessoas está introjetada no dia-a-dia, na música que escutam, nas roupas que podem comprar no balaião, no lazer que lhes é empurrado goela abaixo, e não na estética do que é ou não as demandas da luta política do novo progressismo.

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É provável que, enquanto a estátua de Boba Gato ardia em chamas, as motocicletas de Ifood, os carros do Uber que passavam em volta pensassem, “que putaria é essa?”. Galo afirmou que “queria incitar o debate na sociedade”. Vamos combinar e com o perdão do fatalismo, mas esse papo dele aí não é bate-papo de trabalhador do Ifood. Não foi numa garagem de estacionamento que Galo deve ter ouvido isso, muito menos num sindicato. Ex-sindicalista de atividade braçal e técnica, sei que militante orgânico e sindical do campo braçal e técnico, não é lá muito chegado em Bakunin ou “ação direta”. É mais chegado em ver o holerite no final do mês, se teve perdas, se vai receber ticket-refeição este mês e se o abono vai ser integrado ao salário ou vai ser repassado de uma vez só.

De norte a sul do Brasil, de leste a oeste, não tem ninguém em nenhuma sede da CUT ou do MST neste momento planejando se vão derrubar a estátua de Dom João VI no centro das suas cidades. Estão preocupados, sim, com o armamento dos fazendeiros no campo, com a reforma administrativa, se terão ou não aposentadoria, se serão contratados ou não no regime da “carteira de trabalho verde e amarela”.

Afirmo com pouco medo de errar, mas correndo sim o risco de estar sendo injusto, que Galo foi orientado e incitado em outro meio – em algum de seus novos círculos de convívio. Num meio onde provavelmente o excesso de intelectualidade está completamente descolado da realidade factual e muito distante da vida real do povo brasileiro. E falo isso como um ELOGIO, uma ODE, ao trabalhador e trabalhadora orgânico e sindical.

Vamos repetir agora os resultados práticos da queima da estátua: classe-média em catarse, muitas fotos maneiras no Twitter e o casal periférico preso, sendo que a menina nem teria participação no mesmo. Mas, quando saírem de lá, ganharão muitos tapinhas nas costas e direito a participação em mesas redondas e rodas de conversa. E vai ficar por aí, meus amigos. Caso condenado em mais de duas instâncias, nem quadro político Galo poderá virar e, a partir de agora, já contará com muita dificuldade para organizar a luta de sua categoria.

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Um ato realizado a luz do dia, para centenas de câmeras ao redor, comprometendo um outro trabalhador, o do caminhão de frete, com seu telefone do lado. Meia dúzia de jovens, uma prática que não teve sequer respaldo, não tinha clima no país, não tem fermento social e nem uma sociedade civil sequer flexionada para tal.

Vejo semelhanças com o que aconteceu com Rafael Braga, que, a despeito do que pensam. Não era um black bloc, uma pessoa que participava ativamente das reuniões na IFCS, estava no local errado, na hora errada, foi preso de bucha ao lado de um outro jovem que morava na Zona Sul do Rio de Janeiro. O jovem da Zona Sul – este sim participando de forma ativa e alterada da manifestação naquela noite – foi solto imediatamente.

Não adiantou toda a gritaria, não adiantou Braga ser defendido por 6 advogados (dentre eles, alguns dos melhores do Rio de Janeiro), não adiantaram faixas de protesto, não adiantou documentário, não adiantou mostra em museu, não adiantaram manifestações por sua soltura.

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Fica a questão sobre o que é mais importante? Um processo à chilena, mobilização orgânica e crescente feito como uma onda, por anos e anos a fio, se possível duas décadas, ir mudando a sociedade por dentro, conquistando a hegemonia cultural, e quando o bote for dado, derrubar as estruturas ou fazer luta kamikaze, copiando a luta simbólica do primeiro mundo?

A estética, a luta simbólica é que deve ir para escanteio. Hoje em dia o que está posto de lado é a luta material. Ou invertemos esta lógica, ou a disputa política vai deixar de ser difícil para se tornar impossível.

2 comentários

  1. Pela lógica do articulista ele deveria estar escrevendo sobre salários, direitos trabalhistas, e coisas parecidas. Mas o problema seria talvez o mesmo pois posso estar enganado mas creio que os trabalhadores sindicalizados ou precarizados na sua maioria não leem O Partisano, nem Bakunin, nem Marx que são portanto, de acordo com o argumento do texto, todos irrelevantes …

  2. Pelo argumento apresentado, conquistar a “hegemonia cultural” não tem nada a ver com a luta simbólica. E a “estética” é considerada na acepção mais rasa e comum, o clichê de “ornamento” superficial: arte seria mesmo coisa pra desocupados. Caramba! O autor precisa pensar um pouco mais antes de escrever. Precisa ver isso aí, talquei ???? A desarticulação da esquerda seguramente não é culpa do Galo. A questão material agora é defender o líder dos precarizados que foi preso ilegalmente. Sugiro mobilização presencial na porta da cadeia com o autor à frente.

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