Mais importante do que o desempenho de um candidato, é a versão sobre esse desempenho que vai prevalecer no final, na propaganda política

por Pedro Fassoni Arruda
Semana passada foram ao ar na TV os primeiros debates das eleições municipais de 2020. Qual é a importância desse debates? Os debates devem ser entendidos como apenas um dos meios utilizados pelos eleitores, no momento de definirem seus votos. Existe também a propaganda eleitoral no rádio e na televisão, o Facebook, o Instagram, o Whatsapp, o trabalho dos cabos eleitorais e dos militantes nas ruas (o chamado corpo-a-corpo), a Igreja, a escola, a universidade, os jornais e revistas, o noticiário da televisão, os portais de notícias, o conhecimento já acumulado sobre o passado dos candidatos etc.
Mais importante do que o desempenho do candidato no debate, é a versão sobre o seu desempenho. Ou seja, como cada um consegue explorar as cenas do debate depois que ele acontece. Depois que o debate acaba, as cenas são editadas, cortadas e utilizadas em outras plataformas, servindo assim de material de campanha (que pode ser a favor de algum candidato ou contra seus adversários). Um candidato escolherá aqueles momentos em que teve o melhor desempenho, para postar nas suas redes sociais. Se prestarmos atenção, dá até pra perceber quando alguém está disposto a “lacrar”, incluindo aí alguma frase de efeito, para transformar esse momento do debate em material de propaganda.
Os debates só despertam a atenção de grupos muito específicos de eleitores. No Brasil, eles acontecem geralmente à noite e acabam nas primeiras horas do dia seguinte. Quem acorda às quatro ou cinco da manhã não os acompanha. O perfil do eleitor que assiste aos debates é: maior renda, maior grau de escolaridade e pessoas ocupadas em atividades não-manuais. Por um lado, isso reduz consideravelmente o número de pessoas que estão dispostas ou têm condições de acompanhá-los; por outro lado, acaba atingindo aquele público que costuma ser chamado de “formador de opinião”, com uma certa dose de exagero…
Quem é filiado a um partido político ou tem algum tipo de militância, ainda que sem vínculos formais com partidos ou organizações, tende a não ser influenciado pelos debates. Os debates servem principalmente para captar o voto dos eleitores indecisos, ou aqueles que pretendem votar sem muita convicção em algum candidato. No caso de eleições muito acirradas, onde a diferença de intenção de votos nos favoritos não é muito grande, isso pode ser decisivo. Um candidato pode assegurar uma vaga no segundo turno ou ganhar a eleição, como aconteceu na disputa para presidente em 1989 (que também serve de exemplo de como a versão sobre o debate pode ser mais decisiva do que o próprio debate).
“Estar preparado para o debate” não significa estar preparado para governar. Significa apenas que um candidato é melhor para debater (pode parecer óbvio, mas o óbvio precisa ser dito). Como toda peça de propaganda política, o que se apresenta aos eleitores são produtos. Assim como um fabricante de sapatos tenta mostrar aos consumidores que o seu produto é o melhor, também os marqueteiros tentam mostrar aos eleitores que o seu candidato é o mais bem preparado. Técnicas da publicidade comercial são cada vez mais utilizadas nas propagandas eleitorais, e a caça aos votos dos eleitores não é muito diferente da caça das empresas pelos seus consumidores. Quase todos os candidatos contratam a peso de ouro profissionais especializados em “media training“, que lhes ensinam como falar e se apresentar em público.
Nem todos os candidatos têm interesse em participar de debates. Se alguém conta com grande favoritismo e sua vantagem em relação aos demais candidatos é enorme, em muitos casos a decisão de não participar pode ser a mais adequada, se o objetivo é ganhar sem se importar com a discussão de propostas. Em 1994 e 1998, FHC fugiu dos debates e conseguiu vencer em primeiro turno. Em 2018, Bolsonaro também fugiu e venceu. Justamente porque temiam se tornar a “vidraça”, com todos os adversários tentando apedrejá-los, FHC e Bolsonaro sabiam que tinham muito mais a perder do que a ganhar.
Nunca subestimem figuras ridículas e caricatas que negam a verdade científica e outros fatos. Eles sabem o que fazem, e falam coisas absurdas porque tem muita gente disposta a acreditar.