Torturas, assassinatos em massa e suspensão das liberdades democráticas não eram um problema para os defensores do liberalismo, desde que as “liberdades econômicas” fossem garantidas

por Pedro Fassoni Arruda
O texto abaixo é a nona e última parte da série Sobre o liberalismo.
As duas principais referências do pensamento econômico liberal contemporâneo são as escolas de Chicago (EUA) e de Viena (Áustria). Seus principais “gurus”, Milton Friedman e Friedrich A. Hayek, tiveram uma enorme influência na virada conservadora que começou no final dos anos 70. A primeira-ministra britânica Margaret Thatcher (1979-1990) e o presidente estadunidense Ronald Reagan (1981-1989) buscaram seguir à risca o receituário monetarista, efetuando cortes nos investimentos públicos, principalmente nas áreas da educação, saúde e seguridade social.
Nesses casos, é praticamente impossível separar a teoria da prática. Líderes conservadores manifestavam publicamente suas simpatias por aqueles economistas, e vice-versa. Pouco tempo antes, mais exatamente a partir do golpe de Estado no Chile (1973), já eram notórias as simpatias que os “Chicago Boys” nutriam pelo ditador chileno Augusto Pinochet, que se comprometeu a aplicar todo o conjunto de propostas formuladas pelos discípulos de Friedman. Quando Thatcher chegou ao governo britânico, seis anos depois, ela declarou que admirava o modelo chileno e disse que esse foi um importante “laboratório” para a introdução de uma nova matriz econômica.
Em todos esses casos, havia um obstáculo: os sindicatos de trabalhadores, que não concordavam com as políticas de privatizações, corte de investimentos na área social e desregulamentação do mercado de trabalho. Thatcher passou a chamar os sindicatos de “inimigos públicos número um”, e iniciou uma verdadeira guerra visando a sua destruição, ou pelo menos torná-los tão fracos que perderiam completamente o poder de barganha. No Chile de Pinochet, nos EUA de Reagan e no Reino Unido de Thatcher houve o emprego de muita violência para reprimir protestos e greve dos trabalhadores. A greve dos controladores aéreos no governo Reagan e a greve dos mineiros no governo Thatcher se tornaram paradigma do tratamento da questão social em países considerados democráticos (Thatcher permitiu que operários morressem durante uma greve de fome, em protesto contra o fechamento de minas). A expressão “dama de ferro” veio justamente dessa intransigência e tentativa de demonstrar pulso firme para massacrar trabalhadores.
Hayek chegou a declarar que o Chile era mais livre sob a ditadura de Pinochet do que em qualquer outro momento da história. Esse mesmo economista disse que, se tivesse que escolher entre a liberdade econômica e a liberdade política, não hesitaria em sacrificar a segunda para garantir a primeira (ele disse também que preferia uma ditadura com liberdade econômica do que uma democracia com forte presença do Estado). Thatcher admirava Hayek, Friedman e Pinochet. E odiava Nelson Mandela, a quem ela considerava “terrorista”. A mesma Thatcher que visitou Pinochet na cadeia em Londres, para prestar solidariedade em nome de uma velha amizade, mesmo sabendo que o seu “amigo” estava preso sob acusação de graves violações aos direitos humanos, que incluíam execuções sumárias, torturas, sequestros e ocultação de cadáveres.
Quem tiver interesse em conhecer um pouco mais detalhadamente o “tratamento” dispensado por Thatcher aos trabalhadores, deixo aqui o link para um artigo que publiquei anos atrás, intitulado “Direitos trabalhistas e políticas de confrontação com o sindicalismo britânico: 1979-90”. Acho que pode ajudar um pouco mais, pelo grau de detalhamento a respeito das questões aqui colocadas.