Os derrotados das eleições de 2020 e as perspectivas

Um governo repressivo ao mesmo tempo em que a aura de normalidade volta a tomar conta do debate é uma meta excelente para o neoliberalismo

Imagem: Andrii Yalanskyi
por Matheus Dato

Com o pleito do primeiro turno encerrado no dia 15 de novembro de 2020, uma série de questões vêm à tona diante da necessidade de se elaborar um balanço sério e uma análise de conjuntura acertada sobre o período eleitoral. Em primeiro lugar, o que os resultados nos dizem sobre a militância de agora?

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Os resultados numéricos demonstram que o fascismo brasileiro passa por um processo dialético de refino. Como parte do golpe de Estado, a classe dominante demonstra não ter mais as mesmas condições de 2018 de manter o regime em sua aparência mais crua e violenta, embora a escalada de assassinatos e crimes políticos não desapareça de fato; este processo se dá por três razões primordiais – o desgaste público do bolsonarismo como expressão dos interesses do imperialismo na política interna brasileira, a mudança na conjuntura internacional diante de uma nova onda de mobilizações populares que ameaça a paralisia das organizações operárias e, por fim, a crise orgânica do capital que foi acelerada pela pandemia da Covid-19.

Aura de normalidade

Sabendo que os três fatores são indissociáveis, temos o dever militante de verificar que a desidratação do regime de Bolsonaro não é a desidratação de sua política. Sua figura atacada pelos monopólios de mídia é descartável de maneira relativamente simples na medida em que o seu papel de ser a figura de um movimento reacionário de massas já foi cumprido em 2018 e 2019. Com a tutela do governo exercida pelos militares e por uma burguesia transnacional cada vez mais capaz de manipular todo o sistema político, desde a campanha até a apuração final, é impossível dar-se ao trabalho de manter por longo tempo no poder uma figura tão perigosa para o funcionamento das instituições burguesas.

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O avanço do centro e da direita liberal, que nada mais são do que a ala econômica do fascismo, indicam que esta “americanização” parece ser o caminho estratégico adotado para gerenciar a presente crise capitalista. Um governo repressivo, ditatorial e inimigo do povo ao mesmo tempo em que a aura de normalidade volta a tomar conta do debate é uma meta excelente para o neoliberalismo atuante no Brasil. O que permanece sem respostas é a possibilidade desta burguesia realizar pacificamente esta pequena transição aparente, embora os fatores aqui enunciados indiquem que isto já esteja acontecendo.

O papel da classe operária

No entanto, apontar que os fatos políticos expostos nos últimos meses são controlados como uma nova disposição da ordem burguesa não pode ser uma desculpa para negligenciar o papel da classe trabalhadora conscientemente ativa nesta dinâmica. As mobilizações de luta e a apresentação de candidaturas populares são o sinal visível do avanço de consciência de classe que se opera nos seios dos partidos e avança para a sociedade civil de maneiras desiguais e particulares.

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A estreia de um partido socialista e revolucionário como a Unidade Popular, o desempenho considerável do Partido Comunista Brasileiro, a grande luta empregada pelo PT ao eleger bancadas e prefeituras em locais fundamentais, a atuação do PCdoB nas capitais e as diversas alianças progressistas possibilitadas no último pleito são circunstâncias que nos fazem nos aprofundar na questão e entender que o domínio da burguesia não significa o seu total monopólio, e que estamos não somente vivos na disputa pelo futuro da humanidade como também diante de uma tarefa histórica incomparável.

Seria justo, nessa conjuntura, assumir que os trabalhadores e suas frentes organizadas começam a superar, com dificuldades, a contradição imediata entre o fascismo de tipo bolsonarista e as classes operárias. Embora a base econômica deste conflito esteja firme, na medida em que a agenda anti-povo avança no Brasil, inegavelmente precisamos superar o fenômeno atual da luta de classes para que as forças acumuladas nos permitam superar definitivamente as contradições entre capital e trabalho no Brasil.

Vitória de Boulos levaria a uma nova conjuntura

A vitória de Guilherme Boulos em São Paulo é o sinal mais claro da necessidade de uma disputa classista pelas eleições de 2020. Se um partido amplo como o PSOL for verdadeiramente capaz de elevar um líder popular à prefeitura da maior cidade da América Latina, estaremos diante de uma conjuntura completamente nova e sobremaneira mais favorável à esquerda.

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Os ataques midiáticos e a propaganda liberal mentirosa que alardeiam uma suposta morte do Partido dos Trabalhadores como o principal operador da esquerda brasileira em prol de uma nova hegemonia do PSOL não correspondem à realidade e nem mesmo às análises e aspirações de ambos os partidos. É nítido a todos que uma eventual vitória de Guilherme Boulos em uma cidade com uma bancada petista robusta seria uma vitória, de toda maneira; de qualquer jeito, nenhum marxista sério deveria se surpreender com os ataques perpetrados contra um partido de massas, partido esse que se propõe a disputar não somente o país mas também o seu próprio campo político. Cabe, neste momento, fortalecer as alianças contra a máquina do fascismo que pretende evitar a qualquer custo a aliança da esquerda.

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Por fim, que todos nós tenhamos aprendido que, em um país dependente como o Brasil, qualquer desvio que pretenda negar o papel das eleições ou elevá-lo como tarefa principal arrisca nos condenar.

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