Subestimar Bolsonaro e os milicos é a pior coisa que poderíamos fazer nesse momento, o neoliberalismo é uma máquina eficiente nos ataques contra o povo

por Luca Uras
Quem ri de milico esquece que hoje vivemos, essencialmente, em um governo militar. Os militares têm sete dos 21 ministérios, fora os mais de 6 mil cargos dentro do governo de Bolsonaro. Além disso, de 2016 para cá, dobrou o número de militares na área da saúde, onde, curiosamente, parecem estar concentrados os esquemas de corrupção. Bolsonaro é o representante civil e democraticamente eleito das Forças Armadas, e anda fazendo um ótimo papel em cumprir com seus interesses. Se tem alguém que pode rir nessa situação é ele e sua corja.
O desfile da Marinha da última terça-feira, dia 9, parece ter levantado todo tipo de questão, menos as que devem ser realmente debatidas. Comparações esdrúxulas entre Bolsonaro e governantes de esquerda pelo mundo, ignorando completamente que nossa frágil democracia mal entrou faz pouco tempo na sua terceira década de vida, análises psicanalíticas sobre o tamanho do pinto de Bolsonaro e diversos memes sobre o estado dos blindados usados no desfile eram só do que se falava na internet. Certamente humilhamos as Forças Armadas e nosso chefe de Estado com nossas piadas e zombarias, mas quem será que realmente saiu ganhando desse circo?
É preciso lembrar que os militares são de tudo, menos idiotas (talvez um pouco, mas isso não vem ao caso). Os blindados e tanques que vimos no desfile não são, nem de longe, o melhor que as Forças Armadas têm guardado. Em questão de veículos blindados, por exemplo, o Brasil hoje fabrica o VTTP-MR Guarani, infinitamente mais moderno que os M113 mostrados e com motor que certamente não solta tanta fumaça. Essa não foi e nem estava planejada para ser uma demonstração de força do exército brasileiro. Foi, ironicamente, uma cortina de fumaça.
Bolsonaro é especialista nesse tipo de estratégia de soltar um rojão e sair de fininho pelos fundos, e não poderia ser diferente num momento tão delicado quanto nos encontramos. Não só estamos na iminência da privatização dos Correios, que ameaça os empregos de mais de 100 mil trabalhadores e deixar diversas cidades sem qualquer tipo de serviço postal, mas também foi aprovada no dia 10 (coincidência?) a MP 1045. Agora o bolsonarismo mostra que sabe jogar muito bem o jogo da política. A Câmara aprovou uma MP que irá permitir que jovens de 18 a 29 anos trabalhem sem qualquer dos direitos garantidos pela CLT: sem vínculo empregatício, sem férias, sem FGTS, sem 13° e com salário máximo de 550 reais. O governo conseguiu passar outra reforma trabalhista, mas só se falava do desfile vergonhoso na Praça dos Três Poderes.
Há também a possibilidade de estarem jogando verde para colher maduro, e a demonstração foi feita com tanques e blindados defeituosos de propósito para que suponhamos certa incompetência das Forças Armada. Em questão de golpe, as coisas ficam um pouco mais nebulosas. Toda a polêmica acerca do voto impresso não parece ser uma tentativa real de Bolsonaro para cooptar as eleições. Já estava claro que a Câmara não iria aprovar a PEC e, mesmo que fosse aprovada, não seria possível instituir o voto impresso para 2022. Se o presidente vai usar isso de desculpa para dar um autogolpe é questão de esperar para ver, mas seus ataques à democracia parecem muito mais distração do que ameaças de verdade.
É preciso lembrar, mais uma vez, que não há motivação do exército em instituir uma ditadura de fato. O governo já é deles, e simplesmente a ameaça de golpe já parece ser o suficiente para que façamos o que eles querem, vide o medo dos senadores da CPI em chamar Braga Netto para depor. Mesmo assim, se aquele é o melhor equipamento que o exército tem à disposição ou não, e caso seja a vontade deles, é muito difícil que eu ou você possamos fazer qualquer coisa contra um blindado, seja ele de 1960 ou de 2021.
De qualquer forma, subestimar Bolsonaro e os milicos é a pior coisa que poderíamos fazer nesse momento. O neoliberalismo é uma máquina extremamente eficiente e supor qualquer coisa próxima de um “deslize” por parte do nosso governo é, no melhor dos casos, imprudente e, no pior, ajudá-lo. Sendo assim, podemos rir, claro, mas sempre guardemos no fundo de nossas mentes que Bolsonaro ganhou uma boa parte da sua fama por ser uma atração num programa de comédia.