Preferência do governo Bolsonaro por tecnologia dos EUA se baseia em uma política de submissão, em detrimento dos interesses nacionais

por Alexandre Lessa da Silva
A implementação da tecnologia 5G no Brasil está criando imbróglio entre Brasil, Estados Unidos e China. O Tribunal de Contas da União (TCU) marcou para 18 de agosto, às 10 horas, a votação para o edital do leilão. Aprovado o edital, a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) terá, no máximo, 12 dias para publicar todas as regras, cinco para ser aprovado pelo TCU e sete para a publicação final. Depois disso, as operadoras de telefonia darão seus lances para arremate. O problema é que esse leilão estava planejado para 2020 e, até agora, nada aconteceu. A causa de todo esse problema tem a ver com o tipo e, principalmente, a nacionalidade dos equipamentos que serão usados para a chegada da tecnologia de quinta geração para redes móveis e internet banda larga.
Japão, China, Coreia do Sul, Suécia, Finlândia e Estados Unidos disputam essa fatia do mercado de telecomunicações brasileiro que pode chegar a um investimento de 180 bilhões de reais. Obviamente, o grande confronto ocorre entre China e Estados Unidos e, por mais estranho que possa parecer, esse 180 bilhões parecem ficar em segundo plano, diante da importância geopolítica que o 5 G brasileiro tomou.
O Brasil terá que escolher entre sua principal parceira comercial, a China, e o país mais importante para o governo Bolsonaro, aquele que ele idolatra e ao qual é submisso, os Estados Unidos. Certamente, em função da pandemia e de toda queda de prestígio do comandante do executivo, essa escolha vem sendo adiada, posto que a grande maioria de insumos para vacinas, no Brasil, são provenientes da China. Também é certo que todo investimento chinês conta nessa hora, mas isso e todo resto não parecem ser suficientes para promover uma disputa justa entre os países que oferecem esse tipo de tecnologia.
O ministro das Comunicações, Fábio Faria, fez, em fevereiro desse ano, uma visita à Europa, para conhecer a tecnologia 5G de Suécia e Finlândia, e à Ásia, para conhecer o 5G de Japão e China. Nesse último país, Fábio Faria não chegou a ficar 24 horas, mas, como aconteceu na Suécia, o ministro aproveitou para implorar por vacinas contra a COVID-19, uma situação muito constrangedora, uma vez que Bolsonaro já havia ameaçado de vetar a participação da Huawei, a empresa chinesa concorrente no 5G, de participar da disputa. A ameaça de Bolsonaro tem um motivo claro, a campanha contra a Huawei que começa com o governo Trump e continua com Biden. Segundo essa campanha, a multinacional chinesa vem praticando espionagem para o governo da China através do uso de backdoors, uma espécie de trojan, nos sistemas implantados pela empresa. Com essas portas dos fundos abertas, a empresa poderia utilizá-las para acessar informações, algo muito parecido com o que faz o spyware israelense Pegasus. Entretanto, como Bolsonaro, Trump não costuma provar o que diz, o que faz com que a suspeita sobre a Huawei não passe disso, uma suspeita levantada por um concorrente.
Por outro lado, suspeitas muito mais fortes podem ser levantadas sobre a tecnologia estadunidense. Basta lembrar do caso envolvendo Edward Snowden , ex-administrador de sistemas da CIA (Agência Central de Inteligência) e ex-contratado da NSA (Agência de Segurança Nacional). Nele, documentos que indicam a espionagem da Petrobras e da presidenta Dilma foram apresentados por Snowden. Esses documentos indicavam que equipamentos americanos de telecomunicação traziam uma backdoor , exatamente o tipo de coisa de que os Estados Unidos acusam a China, tentando fazer um boicote mundial da tecnologia de 5G da gigante asiática. Do ponto de vista material, portanto, há mais motivos para desconfiar da tecnologia estadunidense que da chinesa. Aliás, o caso Snowden foi tão importante que acelerou a aprovação do Marco Civil da Internet e, pessoalmente desconfio, talvez tenha acelerado o golpe contra o PT no Brasil.
Há também o fato de que as operadoras brasileiras têm uma nítida preferência pela tecnologia da Huawei, uma vez que a grande maioria de seus antigos equipamentos são compatíveis com essa tecnologia, boa parte necessitando dó de uma atualização para entrarem no campo do 5G. Na prática, as operadoras ofereceriam um 5G não tão veloz, mas muito mais econômico, para o consumidor final. Essa diferença de velocidade, para a maioria dos consumidores, não faria muita diferença, assegurando com tranquilidade todos os objetivos esperados, incluindo o impacto positivo na chamada “internet das coisas”.
A escolha pela China, para a maioria dos leitores, pode parecer evidente, mas não é para isso que está se encaminhando. Antes de visitarem a China, representantes do governo brasileiro já tinham visitado os Estados Unidos e, mesmo depois, continuam visitando. Em 7 de junho do corrente ano, Fábio Faria e sua comitiva fizeram uma visita ao país norte-americano que foi até o dia 11 do mesmo mês. Além de Fábio, havia representantes do Itamaraty, do Ministério da Defesa, da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos, do Congresso Nacional, além dos senadores Ciro Nogueira (hoje ministro-chefe da Casa Civil), da Agência Brasileira de Inteligência, do Tribunal de Contas da União e Flávio Bolsonaro. Como se pode ver, uma comitiva muito mais importante do que aquela que visitou a China.
Mesmo com tantas demonstrações favoráveis do governo brasileiro, as investidas estadunidenses não param. Jake Sullivan, conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, encontrou-se com Bolsonaro e o general Heleno para estabelecer parcerias estratégicas. Nesses encontros, Sullivan ofereceu uma vaga na OTAN em troca do veto ao 5G da Huawei. Essa vaga faria do Brasil um sócio global da OTAN, algo que já acontece com a Colômbia e que, possivelmente, traria mais encargos do que vantagem para o Brasil.
A Embaixada da China acaba de divulgar uma nota que critica a interferência dos Estados Unidos na concorrência pelo 5G brasileiro. Além da crítica à potência norte-americana, o que mais chama atenção é a alusão que a China faz ao desejo de manutenção de “um bom ambiente de negócios para a cooperação econômico-comercial sino-brasileira”, como se houvesse uma ameaça velada de retaliação econômica, o que seria extremamente compreensível.
A estupidez bolsonarista, apesar de todo peso da China para nossa economia, continua. O SERPRO (Serviço Federal de Processamento de Dados) contratou o multicloud da Huawei em maio desse ano. Bastou isso para a rede bolsonarista atacar o contrato e o ministro Fábio Faria afirmar que, se dependesse dele, a empresa chinesa não seria contratada.
A divisão do 5G em uma rede pública e outra privada, sendo essa última para o Governo Federal, demais Poderes da República e Forças Armadas, faz parte da solução encontrada pelo Ministério das Comunicações. Nessa rede privativa do Governo Federal, a Huawei estaria impedida de participar, uma vez que foi criada uma cláusula ad hoc que diz que uma empresa, para participar, deve ter o mesmo mercado de acionistas no Brasil, o que não acontece especificamente com a Huawei. Além disso, o governo brasileiro estabeleceu que as operadoras devam trabalhar com a chamada “rede stand alone”, sem aproveitamento dos equipamentos do 4G e de outras tecnologias, fazendo as operadoras começarem do zero e prejudicando a multinacional chinesa.
O que fica evidente, nisso tudo, é que seria muita ingenuidade pensar que o Brasil pode evitar a espionagem, seja de quem for. Para isso, seria necessário que o Brasil desenvolvesse sua própria tecnologia 5G, algo impossível no atual estágio de desenvolvimento do país, ainda mais no cenário de um governo como o atual. Portanto, a preocupação deveria ser com as vantagens oferecidas e os possíveis prejuízos dessa escolha. Mesmo assim, o governo brasileiro busca uma solução ideológica voltada não para um alinhamento, mas para a total submissão aos interesses estadunidenses. Os Estados Unidos, por sua vez, só pensam em uma coisa, deter a China para que continuem dando as cartas na economia e, principalmente, no cenário político mundial.
A tecnologia 5G é estratégica para manter os Estados Unidos com a função de império em nosso mundo. Pelo que foi falado, até aqui, acredito que os leitores já saibam as razões disso.