Bolsonaro não apertou o gatilho, mas essa violência política começa com o tipo de discurso que ele sempre fez sem jamais ter sofrido nenhuma limitação

por William Dunne
As palavras matam. Quando alguém diz “atire!”, os movimentos do aparelho fonador não atravessam a carne da vítima, o sopro da voz ecoando pelo ar não varre os atingidos como um furacão, a língua não açoita a pele da vítima como um chicote em sentido literal. Mas a ordem, se leva a uma ação, é parte de uma cadeia mais ampla de acontecimentos.
De modo que a palavra pode ser o estopim de um golpe militar, de uma multidão sem máscara em aglomerações durante uma pandemia, do uso de remédios ineficazes e, também, de disparos de revólver por intolerância política (ou de qualquer outra natureza). Na verdade, nada disso aconteceria sem existir antes em forma de discurso.
Hoje somos governados por um presidente que, quando candidato, dizia que iria “metralhar a petralhada”, mandá-los “para a ponta da praia” (referência à desova de cadáveres políticos pelos militares da ditadura) etc., e que disse, em uma célebre entrevista durante os anos 90, quando deputado, que para o Brasil mudar seria preciso “matar uns 30 mil”.
O clima beligerante alimentado pela extrema-direita cobra seu preço em eventos trágicos como o assassinato político de Marcelo Arruda no último dia 9 (quando a vítima comemorava seu aniversário de 50 anos). Bolsonaro não apertou o gatilho, mas essa violência política começa com o tipo de discurso que ele sempre fez questão de propagar sem jamais ter sofrido nenhum tipo de limitação nem punição.
A leitura de que o país estaria polarizado é errônea. Só um lado está “polarizando”. A candidatura de Lula é abertamente defensora da moderação, da conciliação, da democracia e da convivência pacífica. É uma candidatura antipolarização, e vai ganhar porque os brasileiros estão fartos dessa agitação desestabilizadora artificial que não levará o país a nada de positivo. Contudo, esse governo prestes a ser eleito será obrigado a lidar com a questão de como refrear o autoritarismo de uma minoria cada vez mais histérica com seu próprio fracasso. Viver também é uma liberdade fundamental, que precisa ser defendida contra outras “liberdades” quando for o caso.
Marcelo Arruda deixa 4 filhos, inclusive uma bebê de poucos meses que não poderá se lembrar de seu pai. Eis a “defesa da família” que os “pró-vida” têm a nos oferecer, acossados que estamos pelos tiros da intolerância em uma piscina pandêmica de contaminação desenfreada. Em outubro os cultores da insanidade conhecerão o quanto o Brasil os rejeita e quer voltar a ter paz.