Junho de 2013 X Junho de 2020: o caminho da radicalização

Há indícios de uma tentativa da direita de repetir o sequestro das ruas realizado durante os atos por passe livre, no entanto, muita coisa mudou de lá pra cá

Junho de 2013 X Junho de 2020: o caminho da radicalização
Imagem: Filipe Araujo
por William Dunne

Hoje (7) foram realizados atos pela democracia e contra o racismo pelo país inteiro. As manifestações pediam o fim do governo de Jair Bolsonaro, diante da catástrofe sanitária em que o Brasil foi colocado. Em cidades como Brasília e São Paulo ficou patente a desproporção entre os protestos a favor de Bolsonaro, que ficaram esvaziados, e os protestos contra o presidente, que ficaram cheios.

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Em São Paulo, a esquerda se concentrou no Largo da Batata a partir das 14h, convocada por organizações como o MTST,a CMP, e torcidas organizadas como a Gaviões da Fiel e a Torcida Jovem. Foram distribuídas centenas de máscaras e marcas foram feitas no chão para assegurar distanciamento, na tentativa de mitigar os riscos da aglomeração. A organização do ato procurou compensar de alguma forma a exposição das pessoas, obrigadas a tomar as ruas para enfrentar os desmandos de uma extrema-direita que deixou o país à deriva em um momento tão grave. As imagens aéreas e de cima do caminhão de som mostravam a grandeza do protesto no Largo da Batata.

 

Enquanto o Largo da Batata estava tomando, os apoiadores do presidente passavam vergonha na Av. Paulista, reunindo menos de 100 pessoas. Note-se, porém, uma radicalização do lado de lá. O protesto foi mantido contra uma orientação do próprio Bolsonaro, e mesmo assim, seus apoiadores exigiam a prisão dos ministros do STF, ecoando uma palavra de ordem dita no dia anterior por Olavo de Carvalho. Em vídeo publicado no YouTube, o ex-atrólogo afirmou que Jair Bolsonaro incorre em “prevaricação” por não dar voz de prisão aos membros do Supremo.

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De junho a junho

Passados sete anos de junho de 2013, quando o governo Alckmin reprimiu um ato do Movimento Passe Livre (MPL) no dia 13, provocando um protesto gigantesco quatro dias depois, cabe assinalar a relação entre os acontecimentos daquela época e hoje. A direita foi bem sucedida em sequestrar a pauta de junho de 2013 e em impulsionar pautas reacionárias e fascistas em uma proporção que não se via há décadas. A operação consistiu em esvaziar a pauta dos protestos incluindo reivindicações por meio da grande mídia. Parte fundamental desse truque foi caçar as bandeiras vermelhas de partidos de esquerda no meio dos atos, com direito a distribuição de bandeiras do Brasil em larga escala.

Há uma tentativa de repetir essa manobra, mas há dificuldades que impedem ela de ser bem sucedida. Os atos contra Bolsonaro se contrapõem, obviamente, aos atos a favor do presidente. Estes utilizam a bandeira do Brasil para si. Portanto, a jogada da bandeira nacional está interditada dessa vez. Além disso, com Dilma Rousseff na presidência em junho de 2013, foi fácil canalizar os protestos contra a esquerda, impulsionando a retórica anti-PT que ajudou a formar a base bolsonarista. Mais um recurso que não poderá ser repetido.

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Por fim, a direita ainda pode tentar ofuscar as bandeiras da esquerda nos protestos utilizando a bandeira do “antifascismo”. O Partisano recebeu um vídeo do ato de hoje em Brasília em que um manifestante – um possível infiltrado ou desavisado – tenta obrigar um petista a abaixar sua bandeira. O homem diz que a manifestação é “antifascista” e que não é para “juntar com política”. Ou seja, querem fazer da bandeira antifascista o que foi a bandeira do Brasil em 2013.

Porém essa armadilha também será de difícil implementação. Primeiro porque a esquerda aprendeu com 2013 a reconhecer esse artifício. Segundo porque a bandeira antifascista é tradicional da própria esquerda. Embora haja uma tentativa de esvaziá-la por meio de uma banalização, esse golpe não está funcionando por enquanto. Como se vê no vídeo, os circunstantes intervêm e impedem que a bandeira do PT seja abaixada. Muito diferente do que aconteceu em 2013.

Protesto de esquerda

Outro fator que pode apontar um desenvolvimento à esquerda com relação a 2013 é a organização dos protestos de agora. O protesto no Largo da Batata estava marcado para acontecer na Av. Paulista, mas foi remarcado devido a uma decisão judicial. Apesar dessa sabotagem, o ato, mesmo remarcado na véspera, foi um grande sucesso, mostrando a capacidade de mobilização das organizações envolvidas. Com caminhão de som e bandeiras vermelhas, o ato do Largo da Batata tinha um caráter inequivocamente de esquerda. Um desenvolvimento inclusive em relação ao ato do domingo anterior, por contar com a participação de movimentos sociais de esquerda.

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A ressaca da direita pode estar chegando. A base bolsonarista é fruto do golpe começado em 2013, contra os interesses dos trabalhadores e a favor de meia dúzia de capitalistas e estrangeiros. Mesmo que não estivesse em maior número, a direita colocava gente na rua o suficiente para que parecesse maior com ajuda da mídia golpista. Mas agora até os figurantes estão em falta. A direita está perdendo as ruas enquanto o governo Bolsonaro assiste à crise sanitária sem fazer nada. Talvez por isso Olavo de Carvalho lance apelos histéricos pedindo um imediato golpe por meio da prisão de todo o STF.

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