Kassio Marques inverteu o sentido do garantismo, para garantir os direitos do Estado contra o réu, e negar assim o pedido de habeas corpus da defesa de Lula

por William Dunne
Kassio Marques, ministro do STF indicado por Bolsonaro, votou hoje (23) contra o habeas corpus pedido pela defesa de Lula ao Supremo que contestava a imparcialidade de Moro nos julgamentos do ex-presidente, pedindo a suspeição do ex-juiz. O julgamento que analisou a parcialidade de Moro havia sido retomado no dia 9 de março, um dia depois de Luiz Edson Fachin anular as sentenças de Sergio Moro contra Lula por julgar incompetente a 13ª Vara Federal de Curitiba. A Segunda Turma, composta por Gilmar Mendes, Carmen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Luiz Edson Fachin e Kassio Marques. Kassio Marques havia pedido vista no dia 9, quando a votação tinha ficado com um placar de dois votos contra a suspeição de Moro (Cármen Lúcia e Luiz Edson Fachin), e dois contundentes votos pela suspeição do ex-juiz de Curitiba (Ricardo Lewandowsnki e Gilmar Mendes).
Não se sabia quando a votação seria retomada, e havia grande expectativa pelo voto de Marques, apresentado hoje. Marques argumentou que a visão de mundo de um juiz não pode ser considerada suspeição, defendeu que os vazamentos de conversas não poderiam influir em sua decisão e alegou que os motivos apresentados pela defesa no habeas corpus (que é anterior aos vazamentos) já teriam sido “todas rejeitadas” por colegiados de outras instâncias. E argumentou que o habeas corpus não seria o meio adequado para levar à suspeição, destacando que o juiz a ser considerado suspeito não teria direito ao contraditório. Com esse argumento, Kassio Marques invocou o “garantismo” para defender Moro, invertendo o sentido do garantismo para garantir os direitos do Estado contra o réu. O ministro indicado por Bolsonaro também declarou que os vazamentos seriam “provas ilícitas” e “inaceitáveis”. Ironicamente, Marques afirmou que aceitar esse tipo de provas estimularia o hackeamento generalizado, com todos sabendo que a própria Lava Jato grampeou a defesa de Lula.
O voto não reconhece a flagrante parcialidade de Sergio Moro contra Lula, que passou a ser conhecida pelo país inteiro depois das revelações de conversas privadas pela Vaza Jato, que mostravam o então juiz combinando com procuradores como acusar Lula de modo a criar uma narrativa em que ele aparecesse como culpado. O habeas corpus pedido pela defesa, porém, tinha sido pedido antes mesmo dos vazamentos, apontando outras razões que já mostravam a parcialidade de Moro contra Lula, como a condução coercitiva de Lula antes mesmo de convocá-la, grampo contra a defesa, atitude do juiz com a defesa durante o processo etc. Foram essas razões que Gilmar Mendes colocou em seu voto para reconhecer a suspeição de Moro, sem considerar os áudios da Vaza Jato. Neste momento, a votação está 3×2 contra Lula, mas há a possibilidade de que Cármen Lúcia mude seu voto.