Era possível evitar o golpe se o PT não tivesse cometido a série de erros atribuída ao partido frente à crise provocada pela direita?

por Alexandre Lessa da Silva
Uma discussão que está presente em todos os campos, desde as mesas de bar até teóricos e acadêmicos do campo da política, é sobre o erro do PT que o levou à perda do poder e a toda essa crise que a seguiu. Os canais de notícias, jornais, revistas, simpatizantes, filiados e adversários, enfim, todos debatem esse grande erro do partido, cada qual apontando uma determinada falha, responsável pelas desgraças da esquerda e do país. Certamente, o PT cometeu uma série de erros durante seus governos, como é comum a todos que governam. Mas será que houve um, em especial, que levou a essa derrocada? Ou seria a soma de todos os seus erros que levou ao impeachment e suas consequências? Poderia, ainda, haver uma opção diferente das apontadas?
Seguindo a ordem natural do discurso, é necessário o exame dos principais erros atribuídos ao PT e analisar, basicamente, se o erro existiu e se teve o potencial para provocar a saída do PT do poder. Um erro muito apontado, por simpatizantes e alguns filiados, é o afastamento do partido de suas bases e do povo em geral,
passando a se estruturar de cima para baixo, o inverso do que ocorria antes de sua chegada ao governo. Apesar disso constituir um exagero, já que em todos os partidos sempre existiram algumas pessoas que têm um peso maior que outras, o enfraquecimento das bases realmente aconteceu. Os núcleos de base, formados a
partir de associações de moradores, reuniões de trabalhadores, movimentos sociais, entre outros, eram responsáveis pela integração de todos esses indivíduos às atividades partidárias, estabelecendo uma relação dialética entre a base do partido e sua cúpula. Todavia, com a ascensão política, o PT passou a dar menos atenção a sua base e, também, prestar menos atenção à sociedade como um todo. Certamente, esse foi um erro do PT, mas não foi o suficiente para responder por toda essa crise (mais sobre isso aqui e aqui).
Outro erro apontado, agora pela mídia de direita, é a questão da corrupção e a tentativa do PT de encobri-la. De fato, isso nem sequer é um erro, uma vez que não há como governar o Brasil e, possivelmente, nenhum país do mundo, sem a presença da corrupção. Aliás, a corrupção foi elevada um status de principal problema brasileiro, coisa que, de fato, nunca foi. Apesar disso, a corrupção deve ser combatida e todo governo sério deve estabelecer ferramentas para isso, e foi justamente isso que o PT fez. Lava Jato, outras operações diversas da Polícia Federal, maior autonomia de tal polícia, assim como do Ministério Público, Lei da Ficha Limpa, tudo isso aconteceu dentro dos governos do PT. Tanto isso é verdade que Dilma Rousseff sofreu o impeachment
não por uma acusação de corrupção, mas pelas “pedaladas fiscais”.
A “conciliação permanente” com os diversos setores ideológicos e políticos, incluindo as alianças partidárias, também é apontada como uma falha de estratégia do partido. Entretanto, não haveria como o PT governar sem alianças e concessões à direita, uma vez que teria o Congresso quase que totalmente contra o seu governo. O que aconteceu, nesse caso, foi um erro de cálculo ao fazer essas alianças e estabelecer as prioridades de governo, mas nada que pudesse ser apontado como um erro capital.
O fracasso do projeto de regulação da mídia é outro ponto que precisa ser analisado. Sem dúvida, foi um grande erro do PT não conseguir implementá-lo, uma vez que regular, no sentido de democratizar a informação, é essencial para termos uma mídia que não seja partidária e altamente ideológica, como sempre ocorreu. Em países como Argentina, Reino Unido e Estados Unidos, a mídia, de formas diferentes, já passa por processos de regulação, o que não é veiculado pela mídia tradicional. Portanto, a regulação não é algo inventado pelo PT, nem ofende nenhum pilar democrático, mas, pelo contrário, é um ponto de fortalecimento da democracia.
Apesar do fracasso do partido em promover a regulamentação, e da sua grande importância, esse não é um fator realmente decisivo, já que sempre haveria alguma tentativa de burlar a regulação, além do inevitável problema das redes sociais. Não tentar controlar o Ministério Público e a Polícia Federal, a falta de habilidade política de Dilma Rousseff e, até, sua escolha para concorrer à reeleição, deixando de lado uma nova candidatura de Lula, são outros deslizes atribuídos ao PT. Entretanto, não havia, em função da pressão popular, da mídia e de uma gama de outros fatores, como controlar o MP e a PF, assim como deixar de lançar
Dilma, em 2014, representaria uma confissão de fracasso de uma administração petista. Apesar disso, talvez, somente talvez, tivesse valido à pena ter lançado Lula para a presidência.
Relações de poder
Já que nenhum desses erros apontados responde sozinho pela perda de poder do PT, parece lógico indicar a reunião de todos eles como as causa do impeachment e de tudo aconteceu depois. Mas, parece, apenas parece. Para explicar o que ocorreu, basta uma análise dentro do campo foucaultiano das relações de poder.
Antes de qualquer coisa, é necessário apontar as forças envolvidas nessas relações de poder. Havia o PT, seu governo enfraquecido, uma parte da esquerda e uma parcela da população defendendo as regras do jogo de um campo democrático e, do outro lado, havia potências estrangeiras, entre elas a maior do planeta, a grande
mídia, o poder econômico, a classe média em sua maioria, boa parte da população persuadida por um discurso ético e ideológico e, evidentemente, os militares.
Evidentemente, não é preciso ler Foucault para perceber a disparidade das forças. Assim, a direita contava com dinheiro, proveniente das elites brasileiras e, possivelmente, de instituições de fora do país, poder armado, propaganda, um povo enfurecido, desnorteado e alienado, aliados dentro das instituições do Estado, como o MP, a PF e o Poder Judiciário, além de ter o Congresso em suas mãos. Com tudo isso, o golpe foi inevitável, nada que o PT fizesse, com seus erros e acertos, seria suficiente para impedi-lo.
Desse modo, todas as estruturas, instituições e proteções democráticas foram quebradas pelas forças de direita, proporcionando o golpe contra Dilma. Durante o governo Temer, contudo, uma mudança de direção no golpe existiu ou, talvez, um pequeno golpe dentro do golpe. Com a vitória de Trump, nos Estados Unidos, a orientação foi ainda mais para a direita, para a extrema direita, possibilitando, assim, tudo que era desejado pelos militares, que até então eram coadjuvantes da trama. A extrema direita sobe ao poder, defendendo ideais neoliberais no campo econômico e uma visão ditatorial no campo político. Resta, agora, com a vitória de Biden, saber onde isso tudo vai dar e tentar, através das forças progressistas, impedir que o pior aconteça.