Que o dinheiro venha e o teto seja quebrado, mas é importante que ninguém se deixe persuadir por isso

por Alexandre Lessa da Silva
Bastou Paulo Guedes aparecer ao lado de Bolsonaro em um pronunciamento e dizer que ficará para que o mercado, essa entidade metafísica e fantasmagórica, se acalmar; a bolsa começa a se recuperar e o dólar para de subir e até recua. Apesar da perda de mais 4 assessores, totalizando ao menos 16 desde o início do governo, e do famoso “furo no teto” provocado pela política econômica do governo de extrema direita, Guedes representa a outra face de Bolsonaro, a face ultraliberal dos banqueiros, empresários e investidores, dando a tal mercado não só a garantia de ganhos financeiros, como ocorreu com a cessão da carteira de crédito do Banco do Brasil para o BTG Pactual, mas também o fetiche do poder que ele tanto precisa. O medo dessa falsa elite é perder a sensação de poder que tem com Guedes e Bolsonaro. Isso não significa que Guedes seja insubstituível, mas seu tipo o é. Seria necessário, portanto, alguém com um perfil semelhante ao atual ministro da Economia para substituí-lo e alegrar a fétida classe alta brasileira.
O teto de gastos é fruto da atual pregação capitalista em defesa da austeridade, ou seja, pelo conjunto de políticas econômicas que visam engessar os gastos públicos, sempre em prejuízo dos mais pobres. Não há país no mundo que a austeridade não seja traduzida em leis trabalhistas prejudiciais aos trabalhadores e corte nos recursos públicos para auxiliar os mais pobres. Austeridade é, então, uma política que prejudica somente as classes mais baixas da pirâmide econômica. Assim, em princípio, romper o teto é algo bom. Mas, essa “waiver” (suspensão, licença) anunciada por Guedes não foi dado a outros governos, o que nos leva à questão da universalidade da lei e o impeachment de Dilma Rousseff. Essa licença para furar o teto de gastos do governo é, na verdade, uma superpedalada fiscal, sem tirar nem pôr. Como a lei é universal, não é possível escolher qual governo deve ou não obedecê-la, já que fazê-lo seria romper com o tecido que une o próprio Estado. Assim, não há como entender, do ponto de vista formal, o motivo pelo qual Bolsonaro comete um crime de responsabilidade reconhecido e não é punido por isso. É certo que a quebra do teto não deveria ser considerada um crime de responsabilidade, mas é.
Outro ponto importante sobre o furo do teto é seu uso meramente eleitoral e enganador. Para começar, o teto já foi furado antes da questão do tal Auxílio Brasil, não sendo os mais pobres, portanto, responsáveis por esse furo, como demonstra a PEC dos precatórios. Algo que necessita ser dito, também, é que o Auxílio Brasil não substitui com vantagens o Bolsa Família, posto que o valor de 400 reais só é válido até dezembro de 2022 (pouco mais de um mês do segundo turno da próxima eleição presidencial), depois disso, ninguém sabe o que acontecerá. Além disso, as regras não estão claras e ainda não está certo quem poderá receber tal auxílio.
A questão do teto de gastos também serviu como uma potente cortina de fumaça para que a mídia parasse de falar da citação de Paulo Guedes nos documentos vazados conhecidos como Pandora Papers e, com isso, a comprovação de que o ministro é dono de uma “offshore”, o que é evidentemente proibido para alguém que é responsável pela política econômica do governo.
Que o dinheiro venha e o teto seja quebrado, mas é importante que ninguém se deixe persuadir por isso. Os objetivos de Bolsonaro são meramente eleitorais e, caso seja reeleito, tudo já está preparado para que o auxílio desapareça e os mais pobres venham a ficar numa situação ainda pior: sem auxílio, sem emprego e com uma inflação, especialmente para eles, ainda maior. Guedes, apesar de não gostar, entendeu a necessidade política de Bolsonaro e a sua própria. Apostando em Bolsonaro e acreditando em sua reeleição, deixará a parte final da destruição do país para o outro mandato e, com isso, também conseguirá garantir foro especial até lá. É uma aposta grande e difícil de ser vencida, mas Paulo Guedes não tem muitas opções. Para quem colaborou com Pinochet, Bolsonaro continua sendo a melhor aposta.