É evidente que Bolsonaro quer se passar por incompetente, mas todos os indícios e testemunhos apontam para um caso, pelo menos, de prevaricação

por Alexandre Lessa da Silva
Eu avisei que todos os contratos de vacina do governo Bolsonaro precisam ser revistos. Não é possível, como afirmei no artigo anterior, que uma vacina que foi oferecida mundialmente a 4 dólares passe a custar 17, mais de quatro vezes o preço anunciado, sem a existência de algum tipo de corrupção, corrupção essa denunciada ao presidente da República, segundo o deputado Luis Miranda, que nada fez, prevaricando, no mínimo, sobre o crime em questão. Agora, outra denúncia de propina dentro do Ministério da Saúde vem se somar aos escândalos da Covaxin e da Convidicea (Cansino), a da AstraZeneca.
Em artigo da jornalista Constança Rezende, na Folha, o representante da empresa Davati Medical Suply, Luiz Paulo Dominguetti Pereira, afirmou ter recebido um pedido de propina do governo Bolsonaro de 1 dólar por dose para que fosse fechado o acordo de venda de 400 milhões de doses da vacina de Oxford. Sem a propina, a oferta da Davati foi de 3,5 dólares por dose da vacina importada, um preço extremamente bom, se for levado em conta quanto o governo acabou pagando. Segundo a CNN, o governo brasileiro pagou 3,16 dólares por cada dose da AstraZeneca produzida pela Fioruz e 5,25 pela produzida pelo Instituto Sérum da Índia. Obviamente, a vacina oferecida pela Davati era importada, portanto custando 1,75 a menos que o Ministério da Saúde pagou, o que pode levantar, também, suspeitas sobre o acordo da AstraZeneca.
Segundo Dominguetti, em 25 de fevereiro, em um jantar no restaurante Vasto, no Brasília Shopping, o pedido de propina aconteceu, realizado pelo diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias. Acompanhando Dias, estavam um empresário de Brasília e um militar do Exército, sim, do Exército.
Roberto Ferreira Dias foi indicado ao cargo, ainda na gestão Mandetta (DEM), adivinhem por quem? Acredito que maioria tenha acertado, respondendo Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara dos Deputados, principal aliado de Bolsonaro no Centrão, e acusado de comandar o esquema de propina da Covaxin, além de ser suspeito de comandar a negociata da Cansino.
Dominguetti tentou negociar, primeiramente, com Elcio Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, dentro do Ministério e com o próprio Roberto Ferreira Dias. Entretanto, não foi chamado para voltar ao Ministério, mas foi convidado para o jantar no Vasto, onde a oferta da compra acompanhada da propina foi feita. Dominguetti respondeu que não seria possível acrescentar a propina, que as coisas não poderiam ser feitas dessa maneira.
Mais um caso, portanto, que a mesma suposta lógica de corrupção é aplicada no caso de uma vacina, tendo Ricardo Barros como ponto fulcral do esquema. Propina e um preço mais elevado, a presença de um intermediário entre o governo e o laboratório produtor do imunizante, figuras ligadas a Barros, entraves no Ministério da Saúde ou Anvisa para quem age segundo a letra da lei e, enquanto isso, Bolsonaro diz não saber de nada o que ocorre nos ministérios. Se assim for, para quê o Brasil precisa de um presidente? Para andar de moto com um cara coladinho atrás? É evidente que Bolsonaro quer se passar por incompetente, mas todos os indícios e testemunhos apontam para um caso, pelo menos, de prevaricação, o que legalmente teria que levar ao impeachment.