Os empresários do futebol, que afastaram o povo dos estádios e agora realizam jogos no meio da pandemia, sempre quiseram evitar que a política entrasse nos estádios

por Joaquim Nogueira
Embora estejamos ainda em plena epidemia de coronavírus, as nossas autoridades e dirigentes esportivos, em conluio com um governo que vem sendo acusado de genocídio, decidiram iniciar o campeonato brasileiro de futebol. Os jogos serão realizados sem torcida e com todos os envolvidos usando máscaras, exceto os jogadores que estão em campo e os técnicos.
O futebol, que no Brasil sempre foi o esporte de maior apelo entre as classes mais baixas, vem, a passos largos, tornando-se um esporte elitista, dirigido por grandes empresas que cada vez mais escanteiam as massas que o tornaram a maior paixão nacional. Prova disso são os novos estádios e os preços proibitivos cobrados pelas entradas nos jogos.
A decisão de retomar os campeonatos estaduais e iniciar, em sequência, o campeonato brasileiro, em pleno avanço da pandemia no Brasil, foi tomada unilateralmente pelos cartolas que visam, única e exclusivamente, ao lucro, colocando-o acima da vida dos próprios atletas e trabalhadores do setor.
As classes dominantes não perderam a oportunidade de transformar a paixão popular em mais um de seus negócios, obtendo lucros extraordinários com a negociação dos atletas, com o direito de imagem, propagandas, vendas de objetos esportivos, ações em bolsas de valores e toda sorte de mecanismos de exploração que possamos imaginar.
Esse retorno precoce, para atender aos interesses dos empresários do futebol, é não só uma agressão aos atletas – obrigados a arriscarem sua saúde em nome da ganância dos cartolas; mas também ao povo brasileiro – apaixonado por futebol e que, mais uma vez, se vê excluído de participação na festa.
Porém, como todo esporte de massa, o futebol é também uma potente ferramenta de manifestação política, seja nas arquibancadas, seja dentro de campo. E é disso que trata este artigo.
Hyuri
O jogador de punho levantado na foto de destaque desta matéria é Hyuri, do Atlético Goianiense, clube da primeira divisão do campeonato brasileiro, e esta foi a forma como ele comemorou seu gol. Era o primeiro gol do seu time na vitória por 3 a 0 sobre o Flamengo na quarta-feira, 12 de agosto, pela segunda rodada do campeonato brasileiro.
Hyuri mira o olhar em algum ponto da arquibancada vazia e se mantém nessa posição por alguns instantes, abaixa a cabeça e permanece assim, com o braço erguido e o punho cerrado, imóvel. Em entrevista para o site da CBF, Hyuri afirmou:
“Nós, jogadores, temos que usar mais as nossas vozes por causa da nossa influência. Pessoas anônimas podem se reprimir e temos que fazer esse papel por eles. Temos que fazer movimentos contra discriminações raciais, e tantas outras, para que isto acabe. Porque nós precisamos mudar o mundo, que está muito injusto. É importante usarmos a nossa voz para mostrar que não aceitamos o que o mundo nos impõe. E, sim, que nós devemos nos impor para o mundo”.
Há alguns anos, em 1968, dois atletas negros fizeram esse mesmo gesto ao serem premiados com medalhas olímpicas. O gesto de Tommie Smith e John Carlos ficou imortalizado na memória dos jogos olímpicos por ser uma referência ao movimento de luta por direitos civis dos negros nos EUA, os Panteras Negras.
Estamos vivendo pelo menos duas epidemias no Brasil. Uma delas, mais recente, a de coronavírus e a outra, velha conhecida da classe trabalhadora, a da violência do estado contra a população pobre, periférica e, em sua maioria, preta.
O Brasil é um país extremamente violento para pessoas que vivem em condições de vulnerabilidade social nas grandes cidades e para trabalhadores do campo que lutam dia a dia por sua sobrevivência e dignidade. Apenas no ano de 2019, mais de 65 mil pessoas perderam suas vidas de forma violenta e com o uso de armas de fogo, segundo informações do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública).
Neste ano, somente no Rio de Janeiro, a ONG “Rio de Paz” já contabilizou 17 casos de crianças baleadas e/ou mortas, inclusive dentro de suas casas. Todas “pretas ou quase pretas de tão pobres”.
Nos EUA, o caso do assassinato por asfixia de George Floyd, durante uma abordagem policial, ganhou o mundo e provocou uma gigantesca onda de protestos contra a violência policial em diversos lugares. Em alguns, foram mais contundentes, como o incêndio de uma delegacia de polícia na cidade de Minneapolis e, em outros, mais simbólicos, como a derrubada da estátua de um traficante de escravos, localizada em Bristol, na Inglaterra.
O mundo vê esses acontecimentos, mas o que aconteceu com o gesto de luta e resistência de Hyuri? Por que nossa imprensa não se debruçou sobre o caso, com entrevistas e destaques em jornais de televisão? Por que invisibilizam o ato de Hyuri? Onde estão os movimentos negros que não chamam atenção para essa linda manifestação de coragem e solidariedade do atleta?
A resposta, ou pelo menos uma das respostas, não é tão difícil.
Hyuri não pode ser exemplo para outros atletas de clubes maiores, com mais torcida e expressividade no cenário do futebol brasileiro. Não pode se tornar tendência. Não pode se manifestar e não pode ser visto. Hyuri é preto e por isso, é invisibilizado por todos. Nós aqui, vimos seu gesto, Hyuri, agradecemos e oferecemos a denúncia. Não se intimide, não se constranja e não deixe de cerrar os punhos sempre.
Venceremos!
