“Espaço vital”: Paraguai recebe onda de alemães de extrema-direita

Alemães antivacina e anti-imigração fogem para o Paraguai depois da vitória dos socialdemocratas em seu país

Imagem: Reprodução
por Alexandre Lessa da Silva

A década de 1870 na Alemanha é o ponto de partida de uma história que ainda não terminou. Durante essa década, um forte sentimento antissemita, assim como a ideia de pureza racial, começaram a ganhar corpo durante o período do nascimento de uma nação (a unificação da Alemanha foi em 1871). Apesar disso, as ideias iniciais de um protonazismo tem sua data de nascimento ainda mais longe, com Johann Gottfried Herder e as origens do Romantismo alemão. Entretanto, foi nos anos 1870 que Richard Wagner, o maior compositor alemão do período, decidiu propagar essas ideias em um círculo fechado que tinha entre os participantes Bernhard Förster e a jovem Elisabeth Nietzsche, irmã do filósofo com o mesmo sobrenome, e que  Bernhard Förster, seguindo a doutrina de Wagner, decide fundar uma colônia protonazista fora da Europa. Em 23 de agosto de 1887, Förster funda sua colônia, chamada Nueva Germania. Nueva Germania não é a primeira colônia alemã no Paraguai, San Bernardino já existia, mas é a primeira investida daquilo que será reconhecido como a extrema direita alemã em território paraguaio, aproveitando-se de um país arrasado pela Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870) e pela gigantesca necessidade de imigrantes para levantar o país. Agora, depois de mais de 150 anos, uma nova investida da extrema direita alemã surge, aproveitando-se do crescimento dessa vertente política em todo o mundo.

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Antes de abordar essa nova investida, é necessário esclarecer alguns pontos centrais para o entendimento do que está acontecendo no Paraguai.

Entre os conceitos que estão em jogo na tentativa de expandir territorialmente as ideias da extrema direita, encontra-se o de Lebensraum (espaço vital) (1). Friedrich Ratzel (1844-1904), considerado o criador do conceito, define Lebensraum como o direito que uma determinada sociedade tem de conquistar novos territórios de povos menos desenvolvidos. Aqui, já se pode notar a ideia de que uma “raça superior” tudo pode em relação a uma que considera inferior, ideia que sempre acompanhou o nazismo e que continua viva na atual extrema direita.

Outros pontos cruciais são a ideia de germanidade, entendida como uma Weltanschauung (visão de mundo) que traz consigo a essência do povo alemão, o conceito de Reich (reino) compreendido mais como um imperium, nos moldes do Império Romano, que um estado nacional, e a dimensão antissistema que está presente em todo pensamento da extrema direita. Assim, por exemplo, o nacional-socialista Joseph Goebbels, o nacional bolchevique Ernst Niekisch e o neonacionalista Ernst Jünger consideravam o Systemzeit da República de Weimar como “politicamente prejudicial e culturalmente degenerado” (2).

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O cientista político Cas Mudde apresenta o que ele chama de uma “lista de compras” (shopping list) para identificar a extrema direita atual. Nacionalismo, exclusivismo (racismo, etnocentrismo etc), xenofobia, comportamento antidemocrático, culto da personalidade, populismo, espírito antipartidário, defesa da “lei e da ordem”, referências tradicionais, lamentar pela perda de valores tradicionais e uma forte crença no livre jogo das forças do mercado são os principais itens dessa lista (3). Todos esses tópicos são encontrados na atual extrema direita alemã, assim como a brasileira e sul-americana em geral.

A extrema direita alemã, incluindo o nazismo, foi revitalizada no século XXI. Muitos jovens de extrema direita deixaram o estilo skinhead de lado e passaram a usar marcas comerciais sofisticadas, caras e elegantes. Tais marcas implantavam códigos e símbolos da extrema direita em suas roupas, o que fez que a mídia alemã e estadunidense passasse a chamar esses jovens de Nipsters, hipsters nazistas. “Thor Steinar (a marca-mãe das lojas Trømso e Tønsberg… ) – e entidades comerciais semelhantes, como Erik and Sons e Ans gar Aryan – criaram efetivamente uma nova subcultura de extrema direita” (4). O consumo, portanto, foi a nova porta de entrada que atraiu inúmeros jovens para revitalizar o pensamento de extrema direita; novos por fora, mas velhos por dentro.

Agora, o Paraguai está sendo invadido por imigrantes da extrema direita europeia, em sua imensa maioria, alemã. Apesar da nova grande imigração alemã ter representantes em todo o país, a grande maioria concentra-se na região das Colônias Unidas. As Colônias Unidas têm como marco de fundação a criação da cidade de Hohenau por Carlos Reverchon, Wilhelm Closs e os irmãos Ambrósio e Stephen Scholler. Evidentemente, uma região em que a língua alemã é falada, a cultura alemão é cultuada e com vizinhos descendentes ou, mesmo, alemães facilita o início da vida em um novo país para esses imigrantes. Contudo, esse não é o único motivo para a recente imigração. Aliás, existem aqueles motivos que são dados pelos novos imigrantes germânicos e aqueles que são escondidos por eles, sendo os últimos os mais importantes.

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Quase todos os alemães que estão chegando ao Paraguai são antivax. É comum entre eles o fato de não ser vacinado. Até janeiro, o Paraguai não exigia o certificado de vacinação, assim como o teste PCR para entrar no país. A entrada dos imigrantes alemães contrários à vacina fez com que o Paraguai, em função de uma pressão do povo e da imprensa, acabasse por adotar tais medidas. Por isso, o país vizinho teve, entre junho de 2021 e março de 2022, cerca de 1330 novas permissões para alemães residirem em seu solo, mas muitos milhares entraram ilegalmente através de suas fronteiras terrestres, burlando a lei e a fiscalização paraguaia. Segundo todos os alemães entrevistados pela BBC, as leis e o governo paraguaio parecem não se importar com a questão da vacina, o que não é verdade para a legislação paraguaia. Consideram, portanto, o Paraguai como um país mais livre para questões sanitárias e um lugar onde possam fugir daquilo que consideram uma opressão do Estado.

O medo do islamismo também é outro fator apontado pelos novos imigrantes para a saída da Alemanha. Frequentemente, esses imigrantes citam a violência e a falta de respeito aos valores tradicionais alemães e cristãos por imigrantes islâmicos na Alemanha como um fator chave para deixarem seu país. Chegam a dizer que as culturas e valores são incomensuráveis e fazem acusações absurdas contra aqueles que consideram inimigos.

Também há, entre os novos imigrantes alemães, uma crítica à educação alemã, aos impostos, à política externa e de imigração, à política de restrições durante a pandemia. Muitas são as críticas, mas há motivos que não mencionam.

O presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, o “Marito”, é um dos elementos que facilitam a presença da extrema direita alemã nesse país. Marito é um dos aliados com quem Bolsonaro pode contar na América do Sul. Seu pai, Mario Abdo, foi secretário particular do ex-ditador Alfredo Stroessner. Com a morte de Stroessner, o atual presidente propôs que o Partido Colorado prestasse uma homenagem a ele, demonstrando, assim, um grande apreço pelo antigo ditador. Certamente, Marito aprendeu a ler na mesma cartilha política de Bolsonaro, aquela da extrema direita.

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A vitória do Sozialdemokratische Partei Deutschlands (SPD), Partido Social-Democrata Alemão, pode também ter sido a gota d’água para muitos alemães de extrema direita que só de escutar qualquer referência à esquerda já treme de medo. Com o copo já transbordando pela política de imigração adotada pela antecessora de Olaf Scholz, Angela Merkel, não aguentaram mais essa derrota e decidiram, no caso em questão, procurar novas frentes para a sua batalha.

Há alemães de todas as idades indo morar no Paraguai. Há, inclusive, casais jovens, que certamente foram influenciados pela moda de extrema direita alemã dos anos 2000 e que agora defendem velhas ideias de ódio. Pelo tratamento que esse alemães, novos e velhos, dão aos paraguaios, que se julgam humilhados pelos estrangeiros e seu ar de superioridade, tudo indica se tratar de um caso de Lebensraum, uma vez que se julgam, em função de sua suposta superioridade racial, no direito de conquistar essas terras.

O objetivo também parece claro, difundir a ideologia de extrema direita, especialmente aquela de forte orientação neonazista, conquistando novos espaços para uma “raça superior”, dentro de suas cabeças deformadas.  Esse é mais um motivo para a esquerda sair vitoriosa nas próximas eleições no Brasil, pois se a extrema direita criar raízes em nosso território, não há dúvidas que seguiremos um caminho ainda mais perigoso do que o Paraguai está seguindo nesse momento.


(1) CAMUS, Jean-Yves, LEBOURG, Nicolas. Far-right politics in Europe. Trad. de Jane Marie Todd. Cambridge, Massachusetts: The Belknap Press of Harvard University Press, 2017. P. 26 e 27.

(2) Ibid. P. 25-27.

(3) Ibid. P. 44 e 45.

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(4) MILLER-IDRISS, Cynthia. The Extreme Gone Mainstream: commercialization and far right youth culture in Germany. Princenton: Princeton University Press, 2018. P. 1 e 2.

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