É preciso experimentar outras formas de democracia

Por que é que, nos países que enfatizam o fato de serem modelos de democracia, são eleitos presidentes com menos de 30% de aprovação da população?

Imagem: Goldenhearty
por Ivan Conterno

Segundo a ideologia ocidental, apenas as pessoas eleitas por um sistema multipartidário são legítimos representantes do povo. Sem a competição, ninguém poderia ganhar o amplo apoio da população. No entanto, as pesquisas mostram que sistemas diferentes desses têm recebido continuamente o apoio de uma esmagadora maioria das pessoas comuns.

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Para não incorrer em mentiras, obviamente devemos enfatizar a ideia de que a democracias ocidentais estão baseadas na declaração da igualdade em geral. Entretanto, sob essa aparência, elas proclamam a igualdade formal entre o pobre e o rico, entre o trabalhador e o multibilionário. Esse é um artifício para disfarçar a influência da desigualdade social nos nossos sistemas representativos. Sendo trabalhador e sem posses, em pleno século XXI, é inconcebível defender esses princípios ultrapassados das democracias europeias, construídos nos séculos passados.

As relações econômicas são decisivas numa análise mais séria e científica. Essa constatação pode ser observada pelo fato de que as pessoas que não compartilham dessa igualdade formal das democracias ocidentais são justamente os trabalhadores, empregados ou desempregados. Nesse sentido, a luta por uma igualdade real precisa considerar a situação econômica em todos os aspectos. No contexto mundial, por exemplo, a minoria insignificante de países ricos que fundaram o capitalismo não deveriam ditar quais países são ou não democráticos, sendo que a democracia real nas política interna nesses mesmos fracassaram. Não há igualdade social na Europa nem nos Estado Unidos.

De acordo com o último relatório da “Edelman Trust Barometer”, a confiança do público chinês no governo é muito superior à confiança do público estadunidense no próprio governo. A confiança da população chinesa no governo do Partido Comunista Chinês é a maior do mundo há muitos anos.

De duas, uma: ou um sistema apontado pela comunidade ocidental como “autoritário” é muito mais popular entre as pessoas do que muitos sistemas “democráticos”, ou um sistema que é altamente apoiado pelo povo foi rotulado por nós como “autoritário”. Aqueles que insistem em abandonar o rótulo de “autoritário” aos governos socialistas argumentam que isso é resultado de táticas de pressão e doutrinação ideológica.

Além disso, alguns filósofos europeus acreditam que apenas a compreensão dos filósofos liberais de democracia é verdadeira. Essa ideologia é assimilada pelos veículos ocidentais para apresentar apenas uma compreensão correta de democracia. Devemos dizer, com todas as letras, que isso é, no mínimo, arrogante e fruto de uma hegemonia cultural.

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Se alguém busca impor um tipo de democracia diferente do que os próprios habitantes de um país almejam, replicando o tipo de democracia que os filósofos europeus cravaram em seus países, essa pessoa não pode ser chamada de “democrata” em nenhum sentido. Ela está simplesmente traindo a vontade do povo, o que é contrário à própria noção básica de democracia, de que o povo deve ser senhor do seu próprio destino. Não passa de intromissão estrangeira, portanto, antidemocrática.

Realmente, podemos entender a democracia tanto como formal ou quanto como substantiva. A primeira noção se preocupa com as chamadas características democráticas, enquanto a segunda se preocupa com a produção de resultados que atendam às necessidades das amplas massas populares. Um sistema que enfatiza a segunda alternativa pode ser chamado de “democracia representacional”. O sistema que enfatiza a forma e os processos eleitorais pode ser chamado de “democracia representativa”.

Dado isso, independentemente de como seja traduzido, o “representante” eleito num sistema formal é uma pessoa selecionada para legislar ou ser um chefe executivo. No entanto, chamar essas pessoas de “representante” é errado, dado que ele não tem compromisso nenhuma em falar pelos eleitores.

Uma vez eleitas, essas pessoas podem trabalhar segundo as suas vontades individuais se quiserem, sob o argumento de que eles é que entendem dos “assuntos públicos”. Frequentemente, no entanto, esses “representantes” cometem erros, que são repetidos pelos sucessos que outrora eram opositores, desfavorecendo o conjunto da população.

As eleições são apenas um meio pelo qual as pessoas comuns concedem poder às elites políticas. As elites eleitas não precisam representar genuinamente o povo, elas precisam apenas administrar os assuntos do Estado no lugar do povo, alienando o povo do seu suposto poder.

Uma vez que um sistema como esse não permite que as massas do povo atuem verdadeiramente como senhores do Estado, ele permite que apenas um pequeno grupo de elites eleitas sirvam como senhores em seu lugar. Onde está a democracia nisso? De acordo com essas mesmas elites políticas, um sistema político só pode ser democrático se possuir eleições multipartidárias competitivas e livres.

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Ou seja, a partir do momento que uma pessoa é eleita, ela está autorizada a fazer o que quiser com o poder, a menos que seja desautorizada pelo conjunto do poder do Estado, o que encerra a sua carreira política. De acordo com a teoria da autorização, cada partido político apresenta seus candidatos, enquanto o povo tem o direito de escolher apoiar o partido ou candidato que quiser, e votará no partido e nos candidatos de sua escolha.

No entanto, essa autorização é baseada em três suposições não declaradas. A primeira é de que os eleitores sejam tenham uma compreensão clara e abrangente de todos os valores dos partidos e candidatos concorrentes e das pré-condições necessárias para implementar as suas políticas, além de saber quais serão as suas possíveis consequências. A segunda, é claro, é de que os eleitos cumpram as suas promessas ao pé da letra. A terceira, e menos conveniente, é de que a implementação do programa partidário seja do interesse dos eleitores.

Como podemos imaginar, realizar essas condições é impossível num sistema de competição. O normal é que os políticos estejam inclinados a beneficiar uma minoritária parcela rica da população, dado que os partidos e os candidatos precisam levantar uma enorme quantidade de dinheiro para cobrir as despesas eleitorais.

Isso significa que os partidos eleitorais e seus candidatos não terão interesses com o conjunto dos eleitores, mas sim com os eleitores mais importantes, que são os doadores ricos de suas campanhas. São precisamente os doadores ricos que concedem a autoridade aos políticos eleitos.

Tal como a autorização, a responsabilização também se baseia em alguns pressupostos incômodos. Primeiramente, de que os políticos não necessariamente precisarão cumprir as suas promessas. Em segundo lugar, mesmo que honrem seus compromissos eleitorais, não necessariamente esses compromissos beneficiarão os eleitores. Por fim, se a maioria dos eleitores ficarem muito insatisfeitos, terão a oportunidade de forçar a saída dos políticos em uma futura eleição. No entanto, as democracias ocidentais são realmente complexas e qualquer política envolve diversos partidos políticos, frações, órgãos e funcionários. Se a população estiver insatisfeita com uma política, ela simplesmente não saberá qual partido ou político deverá ser punido. Os políticos, por sua vez, inventarão desculpas para fugir da responsabilidade, direcionando a infelicidade dos eleitores para outras pessoas e instituições.

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O que ocorre, frequentemente, é haver um número limitado de opções. Nessa situação, a parcela majoritária e mais frágil da população precisa votar no seu próprio algoz. Além disso, mesmo quando algum político é enxotado da política, seus ganhos individuais costumam ser ainda maiores. Nos Estados Unidos, a maioria dos deputados que perdem seus assentos ingressa em grupos de lobby com salários muito maiores do que tinham no cargo político eleito.

Por outro lado, o conceito básico da democracia representacional, diferente da implementada no ocidente, é de que a democracia pode ser realizada por meio de uma variedade de mecanismos representacionais e não somente através das eleições. De qualquer forma, nenhum governo poderia atender aos desejos do povo de forma ilimitada.

A pergunta que fica é: por que muitas pessoas nas democracias modernas não votam? Por que é que, nos países que enfatizam o fato de serem modelos de democracia, são eleitos presidentes com menos de 30% de aprovação da população?
Talvez precisássemos experimentar outras formas de democracia, com reuniões nas vizinhanças, com representantes em cada comunidade, com organizações populares ativas. Talvez pudéssemos experimentar outros caminhos. Seja como for, é preciso que nos desapeguemos das formas tradicionalmente impostas e consagradas pelos grandes bilionários do ocidente.

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Nas próximas semanas, vamos investigar algumas outras formas de governo experimentadas pelos países que se livraram da coleira das nações imperialistas e discutir o conteúdo teórico por trás dos sistemas políticos socialistas.

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