E os “autênticos liberais”?

Quando se diz que o liberalismo no Brasil assume um caráter essencialmente conservador, quando não é abertamente reacionário, não se está falando de indivíduos particulares

Imagem: Roseed Abbas

O texto abaixo é a oitava parte da série Sobre o liberalismo.

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1. Já falei anteriormente como os defensores do liberalismo no Brasil, via de regra, têm pouco ou nenhum compromisso com a democracia. Pelos exemplos históricos que abundam, isso vale tanto para aqueles que defendem o liberalismo político quanto o liberalismo econômico.

2. Mas alguém poderia objetar: “mas eu conheço liberais que também são democratas”. Quanto a isso, eu não tenho a menor dúvida e posso dizer que também conheço alguns liberais autênticos. Estes estão sempre dispostos a defender as regras do jogo, o Estado de Direito, o devido processo legal, reconhecem que houve um golpe em 2016, estão preocupados com os direitos humanos e defendem políticas sociais visando o fim da pobreza ou a redução das desigualdades socioeconômicas.

3. A filósofa Nancy Fraser, conhecida por suas análises sobre o “neoliberalismo progressista”, tem uma análise interessante (e crítica) sobre esse casamento entre defesa da economia de mercado e direitos das minorias. Ela mostra como Wall Street e corporações ligadas à indústria cultural e de tecnologia tentam cooptar diversos setores progressistas. Entre os movimentos progressistas que são capturados pela lógica individualista, Fraser destaca certas correntes feministas, antirracistas e LGBTTs. A ideia de “empoderamento”, quando dissociada da perspectiva de classe social, seria um exemplo desse neoliberalismo progressista, nas palavras da autora.

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4. Quando eu falo que o liberalismo no Brasil assume um caráter essencialmente conservador (quando não é abertamente reacionário), não estou falando de indivíduos particulares. Estou falando de grupos sociais, movimentos ou partidos políticos, aqueles que realmente têm alguma capacidade de orientar o sentido das ações. Quem conhece minimamente a História do Brasil, não terá nenhuma dificuldade em reconhecer a força explicativa da expressão “liberalismo excludente da Primeira República” (1889-1930), mesmo se algum liberal tentar argumentar que “liberalismo” e “excludente” são conceitos antagônicos. A verdade é que não são antagônicos, quando é revelada a essência ou o escopo do liberalismo (cuja matriz é visceralmente autoritária).

5. Poderíamos investigar se algum influente movimento liberal apoiou as causas populares em outros períodos da nossa História. A resposta é negativa, se pensarmos no período da assim chamada “República Populista” do período 1945-64, quando os dois grandes partidos liberais (PSD e UDN) uniram-se para derrubar o presidente Goulart por meio de um golpe. A propósito, toda a campanha para derrubar o presidente Goulart foi conduzida por dois think tanks liberais, o IPES e o IBAD (algo como os Institutos Millenium ou Mises daquela época). Nem precisamos falar do período ditatorial, entre 1964 e 1985, não é mesmo? Já no período da transição política, nenhum setor importante que se reivindicava liberal questionou os termos da “distensão lenta, segura e gradual”, concordando que o processo fosse conduzido pelo alto, sem participação popular.

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6. O que foi dito em relação aos think tanks vale também para todas as frações da burguesia brasileira: latifundiários, barões da mídia, industriais, banqueiros, comerciantes etc. Todos os seus legítimos representantes se reivindicam liberais, mas jamais tiveram um forte compromisso com as liberdades democráticas. Estudem a história da FIESP, da UDR, da CNI, da FIRJAN, da FEBRABAN, da UDR, da CNA, das Associações Comerciais e outros sindicatos patronais, e a conclusão será inevitavelmente uma só: nenhuma dessas entidades se opôs à ditadura (que por essa razão é chamada de ditadura empresarial-militar), além de terem apoiado a violação da Constituição em 2016, sem falar no apoio a Bolsonaro.

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7. Portanto, alguém pode até se considerar um “autêntico liberal”, colocando-se como defensor da participação popular. A grande questão é que nos países imperialistas, o liberalismo jamais abandonou o militarismo e o neocolonialismo. E nos países dependentes, o liberalismo acomodou aqueles mesmos interesses externos, sacrificando a imensa maioria do seu povo. Isso acontece porque o liberalismo age segundo a lógica da acumulação do capital, um processo que não depende da vontade daqueles que sonham com a possibilidade de torná-lo mais “civilizado”.

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