Contrarreforma do Ensino Médio, censura do Enem e a situação cada vez mais precária do estudante no Brasil

por Luca Uras
No dia 13 de outubro de 2021, foi divulgada pela Secretária de Educação do Estado de São Paulo a matriz curricular do novo Ensino Médio, filho da reforma do Ensino Médio, aprovada em 2017 por Temer. Nota-se, logo de cara, que somente 60% das aulas dadas ao longo da formação seguem o currículo “tradicional”, como matemática, história, física, química e outros. Os 40% que sobram caem nas categorias um tanto vagas (salvo língua inglesa e educação física) de “tecnologias”, “projeto de vida” e “aprofundamento curricular”, se não as mais vagas ainda “eletiva 1” e “eletiva 2”. Ou seja, a partir de agora, quase metade do currículo vai ficar a cargo de ser escolhido e preparado pelas escolas. Além de causar uma ainda maior defasagem no ensino, principalmente entre escolas públicas e privadas, um crime ainda maior será o uso muito provável do ensino médio pelas elites para fabricar “jovens empreendedores” em massa.

Brincadeiras à parte, a situação é bem pouco engraçada. Um terço das aulas de história do ensino médio serão cortadas. O conhecimento da História é fundamental para entender o presente, que por sua vez é necessário para planejar o futuro. Um povo sem história é, muito literalmente, um povo sem futuro. Dentro da área de ciências humanas, geografia, filosofia e sociologia também sofrerão graves cortes na quantidade de aulas. O mesmo vale para as ciências da natureza, o que, no governo atual, caí como uma luva para difundir teorias negacionistas e pseudocientíficas.
Na preparação para a nova formação que os alunos do ensino médio receberão, Bolsonaro decidiu deixar o Enem com “mais cara do governo”. O que isso quer dizer só Deus, e os estudantes no dia 21, sabe, mas o que se pode dizer no momento é que a situação parece crítica. Mais de 30 servidores do Inep pediram exoneração no início do mês por conta de assédio moral e censura dentro do órgão que organiza o ENEM. Segundo um deles, “mais de duas dezenas” de questões “que tratam de conhecimentos do contexto sociopolítico e socioeconômico do Brasil” foram excluídas da prova a mando de Danilo Dupas, presidente do Inep.
Interessantemente, os apoiadores do Escola Sem Partido, do mais conservador ao mais liberal, não parecem estar preocupados com a interferência ideológica do presidente no vestibular, afinal não se viu nenhum deles comentando o ocorrido. Parece que a guerra que travavam não era contra a “ideologia dentro das escolas”, mas sim contra os professores e uma educação crítica e de qualidade.
Para recapitular, temos o seguinte cenário para o estudante secundarista e vestibulando: um novo ensino médio tecnicista e focado unicamente em formar mão-de-obra, seguindo o mesmo molde do ensino na ditadura, que não funcionou há 50 anos, mas que juram de pé junto que vai funcionar hoje em dia, o Enem mais desigual da última década, com o menor número de inscritos desde 2005 e uma diminuição de 50% dos candidatos negros em relação a 2020 e, para fechar com chave de ouro, censura ideológica, encabeçada pelo presidente, nas questões do vestibular mais importante do país.