Enquanto a imprensa destaca o vazio de um debate que o presidente não deixou acontecer, o mandatário não deixou de mandar o seu recado estimulante para a extrema-direita

por William Dunne
Donald Trump e Joe Biden participaram ontem à noite do primeiro debate das eleições presidenciais dos EUA. Ao fim do debate, uma apresentadora da CBSN descreveu a noite como “caótica”, aludindo às falas cruzadas, ofensas e interrupções. A avaliação mais comum na imprensa dos EUA foi que Trump partiu para o debate com a intenção de bloqueá-lo e que foi um debate em que não se disse quase nada de relevante.
O atual presidente, que concorre à reeleição, de fato adotou uma estratégia de tentar desconcentrar o adversário com muito ruído. Mas o debate não foi só isso. Sob a aparente superficialidade de um embate político que logo degenerou para um bate-boca difícil de acompanhar, Trump apresentou sua política fascista. Disse que Biden não tem coragem de defender a “lei e ordem”. Essa expressão, no contexto em que ele tem usado, significa reprimir com violência policial os protestos dos negros contra… a violência policial.
Proud boys
É um estímulo para os supremacistas brancos. Para não deixar dúvidas, quando o mediador do debate, Chris Wallace, deu a Trump a chance de condenar grupos de supremacistas brancos, Trump dirigiu-se diretamente ao grupo Proud Boys, que se declaram “ocidentais chauvinistas”, dizendo que eles deveriam “recuar”… e “estar a postos”. Nas redes sociais, a extrema-direita reconheceu essas palavras como um chamado à ação, repercutindo o debate. Os Proud Boys transformaram as palavras de Trump em um logo, e na rede social Parler, o líder do grupo, Joe Biggs, afirmou que Trump deu a senha para “fd*** com eles”. Isso vale por toda discussão “séria” e “respeitável” que Trump evitou. Essa é sua real política, estimular a extrema-direita, piorar a polícia e esmagar os protestos.
E os antifas?
E Trump aproveitou para culpar a esquerda pela divisão do país, perguntando se “ninguém vai fazer nada sobre os antifas?” Uma indicação de quem é seu alvo, e dos supremacistas brancos. No meio do ruído criado pelo próprio presidente, o fundamental foi dito. A extrema-direita, que nos EUA tem uma longa tradição, está mobilizada e radicalizada com a crise. E, independentemente do resultado das eleições, essa mobilização deve continuar intensa. O próprio Donald Trump contribui fortemente para isso, ao prever “fraude” nas eleições, dizendo que os votos “serão manipulados”. O atual presidente indica que não reconhecerá o resultado de uma provável derrota, estimulando ações violentas dos extremistas que mobilizou durante sua campanha anterior e ao longo de seu mandato.
Decoro?
Diante disso, os apelos ao “decoro” e lamentos pela “vergonha nacional” que brotaram por toda a grande imprensa dos EUA revelam um desnorteamento do “establishment” diante da situação política. Enquanto apelam ao decoro, o presidente já está estimulando abertamente grupos de supremacistas brancos. Lembrando que os supremacistas brancos já até assassinaram pessoas na frente de câmeras durante os protestos contra a violência policial no país. Falar em decoro mostra um atraso em relação à situação, que já beira uma guerra civil, e a falência do regime político, que já não consegue acomodar as contradições do país.