De fora para dentro, Lula monta suas estratégias

Lula passou, mesmo que informalmente, a tomar o lugar de Ernesto Araújo e seu chefe, representando o Brasil no âmbito internacional

Lula recebendo o título de cidadão honorário de Paris, em março de 2020. Foto: Ricardo Stuckert
por Alexandre Lessa da Silva

Mais uma semana, mais uma ameaça de endurecimento do regime, por parte de Bolsonaro, que não significa muita coisa, afinal, se ele estivesse com todo esse poder, não precisaria comprar o apoio do Centrão. As ameaças de Bolsonaro, assim como todo seu discurso, nada significam. Suas ações, por outro lado, precisam ser observadas: tentativa, via Congresso, de reduzir o poder dos governadores sobre as polícias militares e civis, flexibilização da venda, porte e posse de armas de fogo, reunião de seus seguidores contra instituições democráticas e uma série de outras atitudes que apontam para a formação de grupos paramilitares que, acompanhado do poder político, é a receita para a estruturação de um governo fascista.

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Intimidar opositores, afrontar o Judiciário e políticas governamentais discriminatórias não são exclusividades do governo brasileiro, estão presentes em diversos líderes populistas autoritários que buscam acabar com a democracia. Na Índia, por exemplo, ataques com bombas, diante da polícia, contra a oposição já ocorrem.  Eleições são compradas com dinheiro vivo e, mais uma vez, a religião é usada como fator de discriminação para esmagar minorias. Portanto, a vigilância sobre os movimentos de Bolsonaro devem ser acompanhados para evitar uma escalada autoritária, tendo em mente que seu apoio é bem menor que o de Narendra Modi e que, através de toda sua incompetência diplomática e sanitária, o (des)governante brasileiro transformou o país numa ameaça para o mundo inteiro.

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Por tudo isso, Bolsonaro destruiu a imagem do Brasil no exterior e atraiu o asco de vários líderes mundiais para ele e sua política. Biden e os democratas, que atualmente são maioria no Congresso estadunidense, ficaram revoltados com suas declarações, e de seu chanceler, sobre a invasão do Capitólio. Também, com toda sua política em relação à Amazônia e o meio ambiente. Emmanuel Macron foi ofendido pessoalmente, junto com sua esposa, pelo presidente brasileiro. A Rússia, por sua vez, só avançou a negociação de sua vacina em função da presença de Lula, demonstrando assim o pouco valor da diplomacia do atual governo brasileiro. E a China, bem a China, essa todos já conhecem as ofensas proferidas por várias autoridades do governo Bolsonaro contra ela, seu povo e governo. Para resumir, o grande apoio internacional que Bolsonaro ainda tem vem do presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, que enfrenta duríssimos protestos em seu país e que está à beira de um impeachment.

Percebendo toda essa fraqueza diplomática de Bolsonaro, Lula começou a acertar com sua estratégia, caminhando no sentido que já apontei em outro texto, isto é, de fora para dentro.

Governo paralelo

Lula passou, mesmo que informalmente, a tomar o lugar de Ernesto Araújo e seu chefe, representando o Brasil no âmbito internacional. Diante da Rússia e da China, intermedeia a compra de vacinas pelo Brasil, impondo sua figura fora do país e, ao mesmo tempo, apresentando-se como um líder na guerra contra a COVID no Brasil. Reforça, assim, que o Brasil precisa de um político verdadeiro, um diplomata, para se manter de pé, coisas que Bolsonaro afastou de sua própria figura e que são, conforme demonstra Lula, extremamente necessárias para o momento que vivemos.

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Em entrevista exibida pela CNN estadunidense, no último dia 18, Lula confirma seu papel de estadista. Diante da âncora Christiane Amanpour, Lula apresentou as falhas e engôdos de Bolsonaro, seu sucateamento do SUS, um sistema de saúde reconhecido mundialmente, a condução torpe da economia brasileira, incluindo o enorme desemprego, a destruição do meio ambiente, tema tão caro aos Estados Unidos de Biden, a transformação do Brasil em epicentro da epidemia no mundo, deixando claro para o mundo quem é Bolsonaro.

Lula não apresentou somente problemas, foi rápido também em apresentar soluções. Com respostas diretas, apontou os caminhos indicados por especialistas para o combate à COVID, defendeu seus governos e atacou a Lava Jato. Não menos importante, elogiou Biden no que diz respeito à democracia, fazendo ressaltar seu contraste em relação a Bolsonaro, e conclamou que o presidente dos Estados Unidos tomasse a frente do combate contra o vírus no mundo e a distribuição de vacinas no planeta, algo que seria impossível sugerir a Trump, assim como Bolsonaro. Com isso, Lula interpela, no sentido althusseriano, a Biden, colocando-o numa posição democrática e, com isso, arrastando Bolsonaro para o lado oposto dessa posição. Com esse movimento, o ex-presidente acaba com o falso discurso da polarização, uma vez que está no mesmo caminho democrático de Biden, não podendo ser considerado, assim, alguém que está no extremo do espectro político.

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A entrevista de Lula não foi perfeita, pois não houve uma abordagem direta da questão dos direitos humanos nem o reconhecimento dos problemas ambientais gerados pela Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Entretanto, foi boa o suficiente para se apresentar ao mundo como o estadista que é e, ao mesmo tempo, surgir como uma solução para a demolição do país que está em curso com Bolsonaro. Lula ganha espaço e, de fato, está tirando a presidência de Bolsonaro antes mesmo de qualquer eleição. Logicamente, Bolsonaro já acusou o golpe, esperemos suas reações, com a certeza que não estarão no campo democrático.

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