O ministro da Economia do Brasil, Paulo Guedes, deve ter ficado decepcionado com resultado do plebiscito chileno, berço da política que ele aplica aqui

por William Dunne
Um ano depois dos protestos que varreram o país, o Chile votou ontem (25) em um plebiscito que enterra a constituição legada pela ditadura militar de Augusto Pinochet. Os chilenos decidiram com 78% dos votos por uma Constituinte para substituir a carta pinochetista de 1980. Escolheram também a opção por uma Constituinte exclusiva, com parlamentares eleitos especialmente para elaborar a nova Constituição, e com paridade de gênero, com 50% de mulheres (um marco histórico mundial). Os povos indígenas também terão assentos garantidos.
O brutal regime pinochetista continua até agora sob um aspecto fundamental: a política econômica neoliberal. Embora tenha passado por reformas para se adaptar a um marco menos antidemocrático, a Constituição chilena continuava não tratando de direitos sociais. Sem serviços públicos básicos, todos privatizados, os trabalhadores sofrem para conseguir as coisas mais elementares para a existência humana, como o acesso à saúde. Um resultado do “Estado subsidiário” da constituição herdada da ditadura.
A mobilização no Chile, que de outubro do ano passado até março não deu descanso às autoridades, apesar da repressão extremamente violenta, estourou justamente por causa da desigualdade e da situação precária da população mais pobre. O estopim foi um protesto de secundaristas contra um aumento das passagens do transporte público. Rapidamente, a pauta ampliou-se, passando a englobar toda a política neoliberal que domina o Chile desde o golpe militar de 1973, que derrubou Salvador Allende.
Derrota do neoliberalismo
A Constituinte pode ser vista como uma manobra para refrear o ímpeto contestador dos protestos. Uma concessão para a direita ganhar tempo e contra-atacar. Uma política da direita de dar os anéis para não perder os dedos. E, de fato, da parte da direita existe essa tentativa. Por outro lado, a votação é muito contundente e sem dúvida representa uma vitória do povo chileno contra o neoliberalismo. Dado o histórico do Chile como laboratório do neoliberalismo no mundo, essa vitória do povo chileno tem proporções mundiais. É um sinal de rechaço do povo latino-americano à política do “Estado mínimo”, que já expressou em muitas oportunidades em todo o continente.
Às ruas
O Chile se juntou à Bolívia na rejeição ao neoliberalismo nas urnas. Dia 18 foram os bolivianos que expressaram seu repúdio às políticas neoliberais, reiterando seu apoio a um projeto de desenvolvimento nacional com soberania e inclusão. Nos dois casos, porém, a vontade popular só teve chance de ser expressa nas urnas graças à mobilização nas ruas. As manifestações chilenas sacudiram o país e colocaram o regime político nas cordas, enquanto na Bolívia os apoiadores do Movimiento Al Socialismo (MAS) mantiveram-se mobilizados desde a derrubada de Evo Morales.
O ministro da Economia do Brasil, Paulo Guedes, deve ter ficado decepcionado com resultado do plebiscito chileno. Chicago Boy que já deu aulas no Chile, Guedes é adepto da política que foi imposta ao Chile na base da violência. Uma política que ele tenta repetir aqui graças ao golpe de Estado de 2016 que tirou o PT do poder. Que as votações na Bolívia e no Chile, acompanhadas de suas respectivas mobilizações, sirvam de exemplo ao povo brasileiro para derrotar essa política por aqui.