Cuba frente à batalha econômica e epidemiológica da Covid-19

Rafael Marziota, correspondente do Partisano em Cuba, faz um relato exclusivo contando os desafios da ilha, e suas realizações, diante do coronavírus

Imagem: au_uhoo
por Rafael I. Suri Marziota, com tradução de William Dunne

São muito novos os desafios que a pandemia de Covid-19 nos coloca. São desafios que dependem da condições de cada sociedade, da atenção social aos grupos sociais, do sistema sanitário e da capacidade nacional de resposta. Cuba conta com um sistema de saúde público, ao qual se destinam mais de ¼ do orçamento do Estado, com mais de 230 mil profissionais de saúde, para uma população de 11,3 milhões de pessoas. Dentro dessa cifra estão mais de 100 mil médicos, que tornam Cuba um dos países com maior relação per capita de médicos por habitante (nove médicos para cada mil habitantes). A isso se somam os grandes programas de atenção às crianças, gestações e adultos. Além de uma ampla cobertura com instalações sanitárias em zonas urbanas e rurais que vão desde hospitais nacionais até consultórios em zonas rurais afastadas.

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Mas um programa de saúde como este não é suficiente sem um programa de desenvolvimento biotecnológico que se equipare a ele. Aqui entra o desenvolvimento científico cubano, que abre as portas de programas de desenvolvimento de assuntos médicos, farmacêuticos e biotecnológicos para pesquisadores capacitados, mostra o potencial médico cubano.

Todo esse potencial médico cubano já chegou a mais de 60 países em forma de ajuda (68 países em 2019). Liderado por programas de saúde que em seu conjunto chegaram a milhões de pessoas, como, por exemplo, a Operação Milagre, que devolveu a visão a mais de 4 milhões de pessoas, a presença de brigadas frente a desastres naturais, como a brigada Henry Reeve, que desde 2005 enfrentou numerosos cenários na América Latina, Oriente Médio, Ásia, África, Europa e, nestes tempos, os médicos que levaram a bandeira de Cuba ante a Covid-19, pelo quê, diante de tal trabalho, organizações, movimentos e países pedem que ganhem o prêmio Nobel.

O vírus na ilha

Era de se esperar que seria impossível evitar a presença e expansão do vírus pela ilha; mas desde que se detectaram os primeiros casos de Covid-19 no dia 11 de março em Trinidad, levou-se a cabo todo um programa de medidas de ordem social e econômica, paralelamente à guerra econômica cada vez maior que Washington dirige contra Havana. Trabalhou-se para reduzir ao mínimo os casos, dando-se acompanhamento aos casos de suspeita de contágio por apresentarem sintomas respiratórios, à medida em que se desenvolvia a testagem massiva a nível nacional, para o que se dispuseram os recursos e a resposta necessários. O isolamento social foi adotado como principal medida preventiva, junto com o uso de máscara, tornado obrigatório.

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O sistema de saúde cubano, na questão do enfrentamento da pandemia, teve um cuidado muito diferenciado voltado às pessoas de mais idade, devido a sua vulnerabilidade durante a doença, o que possibilitou a nível social fossem garantidas necessidades básicas, como medicamentos e alimentação frente às condições de isolamento. Contou-se com vizinhos para ajudarem os mais velhos, indo até o mercado e buscando medicamentos, evitando que os idosos precisassem sair de suas casas e se expusessem a um possível contágio.

Outro cuidado que se teve foi que, diante da suspensão do ensino, os círculos infantis se mantiveram ativos, priorizando-se a higiene na atenção às crianças.

Não é raro que em tais circunstâncias de isolamento existam pessoas que se sintam afetadas psicologicamente ao não poderem desenvolver suas atividades diárias plenamente nem manter sua forma de vida. Diante disso, também se trabalhou em Cuba com a criação de grupos de apoio psicológico e social nas redes sociais, e com a disponibilização de especialistas pelos canais correspondentes ou por via telefônica, fornecida pelo ministério da Saúde.

Econômico

Neste período, o fechamento das fronteiras e dos transportes aéreo e marítimo internacionais significaram grande perda econômica para o país, que ficou sem sua indústria do turismo, uma das principais vias de entrada de capital. O recrudescimento do bloqueio e a crise econômica em um dos principais sócios econômicos da ilha (Venezuela) levaram Cuba a operar com 50% do combustível por mais de seis meses, levando à importação de outros mercados, período que dura até hoje. Os problemas com as colheitas e os períodos de plantio e seca e o impacto na disponibilidade de medicamentos, com a falta de muitos tipos, entre outros, foram obstáculos a se enfrentar.

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Podemos somar a esses os problemas que Cuba teve com a aquisição de equipamentos médicos para combater a Covid-19. Tal é o caso da impossibilidade de fornecedores pressionados pelos EUA de venderem respiradores artificiais para a ilha. Também temos o caso da ajuda humanitária chinesa, detida diante da negativa de transportá-la para Cuba, novamente por pressões dos EUA.

Nas empresas nacionais, dentro do marco do reordenamento econômico e laboral, levou-se a cabo a paralisação de mais de 30 mil equipamentos, o trabalho em setores não fundamentais da economia foi reduzido ou cessou, assim como o turismo, que estava paralisado e, por isso, muitas vagas foram reposicionadas. Como medida de isolamento foi adotado o trabalho à distância para as entidades que apresentassem essa possibilidade de forma de trabalho. Ainda hoje apenas 19% dos trabalhadores cujas empresas têm essa facilidade começaram a trabalhar à distância; por isso desde a direção do país se realizam reuniões com as direções das entidades para ampliar o teletrabalho.
Como consequência de tudo isso, espera-se uma queda do PIB cubano de -3,7% e -4,7%.

Soberana 1

Todos os problemas que Cuba enfrentou nesta etapa não impediram que o país desenvolvesse sua própria vacina contra a Covid-19. A Soberana 1 é a primeira vacina cubana a iniciar testes clínicos desde 21 de agosto, o que mostra novamente a capacidade científica de Cuba e a preparação de seus profissionais. A primeira etapa de testes vai de 24 de agosto até 31 de outubro, e incluirá uma amostragem de 676 pessoas com entre 19 e 80 anos. Espera-se que o estudo termine no dia 11 de janeiro e que os resultados estejam disponíveis em 1º de fevereiro, para sua publicação 14 dias depois.

Imagem: reprodução

Últimas medidas

Aos 151 dias do primeiro caso de Covid-19 e depois de a curva de casos ter-se achatado, o país, e especialmente Havana, precisou enfrentar um ressurgimento da doença. Entre as causas podem ser citados o excesso de confiança a nível social pela pouca quantidade de casos e pelo sucesso do controle que vinha sendo feito, a indisciplina social, como o não uso da máscara, a realização de atividades e festas privadas, a reabertura de estabelecimentos privados e a indisciplina nos locais de trabalho.

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Neste momento, Havana e outras províncias voltaram à fase de contágio e, por isso foi tomado um conjunto de medidas a partir de 1º de setembro, como proibição da mobilidade de pessoas e veículos no horário das 7h às 17h; restrição do movimentos de carros, motos e meios de transporte privados; limitação do transporte entre municípios de pessoas que executam atividades de vendedores ambulantes; reajuste do horário de vendas e serviços, assim como a venda somente para pessoas do município onde se encontre o comércio, evitando-se o movimento desnecessário entre municípios. Também existem outras medidas, como normatizar a venda de produtos de limpeza e asseio de acordo com a demanda e a escassez que se apresentarem.

Com isso, a capital e outras duas províncias ficaram impossibilidades de iniciaro ano letivo no dia 1º de setembro, diferentemente do resto do território nacional. Dependerá agora da capacidade e rapidez com que se consiga fazer descer novamente a curva de contágios.

Havana

Diante das indisciplinas sociais que originaram cadeias de transmissão de até 46 contatos, facultou-se ao governador de Havana durante este período um instrumento que permite aplicar multas severas frente a cenários como:
-Não uso ou uso incorreto da máscara;
-Permanência de pessoas em áreas de lazer, parques e vias públicas fora dos horários estabelecidos;
-Manter locais, instalações gastronômicas ou de serviços abertas fora dos horários estabelecidos;
-Realização de festas de qualquer tipo;
-A não existência de soluções de água clorada ou alcoólicas em entidades estatais a serviço da população, não estatais e associações não governamentais.
Sem dúvida, Cuba entra em um momento decisivo, mas, como se costumava dizer, vê-se a luz no fim do túnel depois do sacrifício e preparação.

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“Não há porvir justo e feliz para a humanidade sem luta e sacrifício”.
-Fidel Castro. 18 de julho de 1980.

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