Num processo eleitoral em que o candidato é vendido como mercadoria, alguns buscam se diferenciar com prefixos, sufixos e apelidos bizarros

por Danilo Matoso
As eleições de 2020 têm o maior número de inscritos da história. São 537.964 candidatos, dos quais 19.242 a prefeito e 19.708 a vice-prefeito. Como sempre, abundam os nomes criativos excêntricos entre os candidatos. Não é difícil entender de onde surge o fenômeno. No registro da candidatura, o formulário da Justiça Eleitoral pergunta: “nome na urna”? O candidato e seu partido então pensam em criar um nome único, capaz de colar na cabeça do eleitor e garantir o voto. Para aqueles com nomes comuns – João dos Santos, José da Silva, Maria de Souza etc. – é quase um imperativo diferenciar-se. Buscam se identificar por suas profissões, locais de trabalho, em heróis ou líderes políticos. Outros buscam referência no bizarro. Vale tudo para que o eleitor se lembre do nome – “falem mal, mas falem de mim”.
Você é o que você faz
A identificação pelo local de atuação nos dá a medida da popularidade de cada lugar. Segundo pesquisa da jornalista Cecília do Lago, especializada em estatística, temos 1.672 candidatos “da Farmácia”, 1.357 “do Bar”, 986 “do Posto” (de saúde ou de gasolina?), 591 “da Padaria”, 503 “da Van”, 394 “da Peixaria”, 371 “da Auto-Escola” 363 “do Açougue”, 328 “da Feira” contra 227 “da Loja”, 320 “da Academia”, 64 “da Praça”, 25 “da Mecânica” e 92 “da Igreja”. Espera, deve ter algo de errado. Tão poucos candidatos na igreja na “pátria do Evangelho”? A questão parece ser o papel de cada um nos templos, pois temos 4.360 candidatos com o prefixo “Pastor”, 536 com “Missionário” e 202 com “Padre”.
O campeão das profissões, porém, é o “Professor”: são quase 18 mil. Sinal de prestígio, por um lado, e de falta de perspectiva no ofício, por outro – e o mesmo vale para os 2,3 mil “Enfermeiros”. Há ainda mais de 6 mil candidatos que fazem questão de ostentar na urna o anel de “Doutor”. No Rio de Janeiro, o candidato à vereança pelo PP, Aralton Nascimento Lima Junior, juntou direito e religião e se registrou como Advogado de Deus. Alguns prudentemente tentam assumir a causa e não o lugar. No ano da pandemia, são 4.797 “da Saúde”, 309 “da Segurança” e 215 “da Educação” – somente 42 “do Meio Ambiente”.
No continente do coronelismo e do caudilhismo, vale sempre aparecer com a bênção do líder supremo. São 185 “Lulas” – embora Lula seja um apelido comum no nordeste –, 99 “Tiriricas”, 58 “Brizolas”, 84 “Bolsonaros” – e um metalúrgico “Bolsonaldo” do PCdoB paraense, 19 “Malufs” e – sim, podemos – 18 “Obamas” e 3 “Trumps”. Outros preferem referir-se aos heróis que estão acima da política. São 29 “Ninjas”, 25 “Hulks”, 12 “Batmans”, 10 “Samurais”, 8 “Wolverines” e 4 “Supermans”, além do híbrido Jiraiya Jaspion Jiban (PDT) em Salvador (BA).
Vale lembrar que neste ano teremos o maior número de candidatos militares dos últimos 16 anos. São cerca de 6,7 mil – um aumento de 12,5% em relação a 2016. A alusão a heróis e a militares encontra sua síntese na Capitã Cloroquina, candidata a vereadora no Rio de Janeiro, e Capitão de Bolsonaro, aspirante ao mesmo cargo em Salvador – ambos do Avante –, ou no Soldado do Povo (PMB) em Magé (RJ). Na real, vale misturar qualquer coisa para chamar atenção, como demonstram o aspirante à vereança na capital fluminense, Frango Bombeiro (PL), ou Donald Trump Bolsonaro, candidato ao mesmo cargo em Brusque (SC). O contraponto a esses heróis talvez seja o Bin Laden do Bem (DC) no Novo Gama (GO).
Não só do mundo político vêm os ídolos, claro. E não faltou um Chimbinha (PTB) em Queimados (RJ), um Chacrinha (PSL) em Rio Grande da Serra (SP), um Patatá Cover (DC) em Anápolis (GO), um Reginaldo Rossi Cover (PSL) em Jaguariúna (SP) e um Shakira (PSD) – sim, um homem: Jean Lopes Shakira – em Bandeirantes (PR).
Depois do show de horrores do impeachment na Câmara dos Deputados, naquele fatídico 17 de abril de 2016, e do clã Bolsonaro ter se empoleirado no Palácio do Planalto, parece que não há problema em assumir os laços familiares – e aí vem à tona não só o nepotismo, mas o machismo também. São, antes de mais nada, 786 “Filhos” de alguém, 137 “Pais”, 76 “Mães”, 85 “Esposas” ou “Mulheres” e somente 7 “Esposos” ou “Maridos”. Aliás, 11 candidatos fizeram questão de reafirmar que são “Machos” na urna.
Criatividade sem limites?
Nos últimos anos, parece que a criatividade do brasileiro com nomes próprios vem sendo finalmente recompensada – afinal, Whindersson Nunes é o maior youtuber do país. Isso vem dando rédea solta aos nomes de urna verdadeiramente diferenciados, por assim dizer. Em Mirante da Serra (RO), o vereador Cagado (MDB) concorre ao seu quarto mandato. Não, não é “cágado”: é Cagado mesmo… com direito a vídeo de apoio e tudo mais. Seu slogan de 2016, curto e dolorosamente grosso, poderia ser usado para promover iogurte ou granola: “Vote Cagado”. Está certo. Melhor se resolver em casa que cagar na urna, como nas eleições presidenciais de 2018. Aliás, na onda do nome associado ao slogan em Valinhos (SP), Josué Roupinha – Júnior – (DC), especialista em marketing digital, mandou logo a hastag #tôcomroupinha – que não gera ocorrências no Twitter.
Via de regra, o único limite para esse fenômeno pareciam ser os 30 caracteres admitidos no mostrador da urna eletrônica. O artigo 25 da Resolução do TSE 23.609/2019 – que regulamenta o registro dos candidatos nas eleições deste ano – restringe um pouco mais: “O nome para constar da urna eletrônica terá no máximo 30 (trinta) caracteres, incluindo-se o espaço entre os nomes, podendo ser o prenome, sobrenome, cognome, nome abreviado, apelido ou nome pelo qual o candidato é mais conhecido, desde que não se estabeleça dúvida quanto à sua identidade, não atente contra o pudor e não seja ridículo ou irreverente”. Além disso, o artigo 48 da Resolução 23.610/2019, que regulamenta a propaganda eleitoral, estabelece que “no horário reservado para a propaganda eleitoral, não se permitirá utilização comercial ou propaganda realizada com a intenção, ainda que disfarçada ou subliminar, de promover marca ou produto”.
Com base nesses dois artigos, alguns candidatos tiveram seus nomes barrados pelos Tribunais Regionais Eleitorais. Foi esse o caso de Paulo Bosta (PSL), candidato a vereador em Bauru (SP). E não foi por conta de “ridículo” ou “irreverência” o veto, mas pela questão comercial. Paulo Bosta é revendedor de esterco como fertilizante e estaria usando a campanha para promover seu negócio. Para a Justiça Eleitoral de São Paulo, não é tudo a mesma merda. Também em Bauru, com base no mesmo dispositivo, Toninho Mariflex (PSDB) e João Bidu (PTB) tiveram seus nomes vetados. Na política e no amor vale tudo, mas o judiciário não brinca com os negócios.
No campo do amor e do sexo, claro, não faltam referências mais ou menos explícitas, como os candidatos a vereador Margarete de Piroca (PL) em Heliópolis (BA), Josiane Pica (PT) em Sagrada Família (RS), Pipi de Jorge (PSD) em São Gonçalo do Rio Preto (MG), Agenor Passa Régua e Madurão (Avante) em Tarumirim (MG), Adílson Urso Lapada (PSB) em Limoeiro (PE). Talvez assim eles já deixem clara a intenção de sacanear com o povo.
O candidato como mercadoria
A lista de nomes bizarros parece ser infindável, e sempre vale uma pesquisa pra quem quer mergulhar no submundo de nossa política e seus valores. As personas que os candidatos assumem por meio dos nomes de urna têm tanto a ver com uma falta de perspectiva política que vá além da atuação paroquial quanto de, talvez, o desejo de preservar seu nome de batismo do que deseja fazer na vida pública. Deve surtir algum efeito. Afinal, como diz Perry Anderson: no Brasil, “na maioria dos casos, os eleitores escolhem um político que eles conhecem – ou acham que conhecem – ao invés de escolherem um partido do qual eles pouco ou nada sabem”.
No mundo do marketing eleitoral, em que o candidato se vende como uma mercadoria, a originalidade parece ser a meta. É como se um nome novo ou diferente – ou um comportamento – pudesse trazer a ideia de uma política nova ou pelo menos angariar “votos de protesto”. Assim se fez o Deputado Federal Enéas Carneiro, catapultado para a fama nas eleições presidenciais de 1989 e “puxador de voto” – 1,5 milhão – capaz de colocar cinco parlamentares sem voto pelo Prona no Congresso Nacional em 2002. Assim se fez o Deputado Federal Tiririca, que trouxe outros cinco parlamentares em 2014, com mais de um milhão de votos em 2014. Assim se fez, é claro, Jair Bolsonaro.