Chile varre para a lata de lixo da história os últimos rastros da ditadura ultraliberal de Pinochet no governo chileno

por Alexandre Lessa da Silva
As eleições para a Convenção Constituinte do Chile ocorreram nos dias 15 e 16 de maio, coroando a invejável luta popular travada pelo povo chileno contra o projeto ultraliberal que estava em curso naquele país desde os anos 1970, com o assessoramento de economistas ultraliberais ao ditador Augusto Pinochet. Economistas como Jorge Selume Zaror, ex-diretor de Orçamento do governo Pinochet e principal responsável pela ida de Paulo Guedes ao Chile, dominaram a economia chilena durante a ditadura, com suas ideias consideradas como grande exemplo de “extremismo neoliberal no mundo”.
Seguindo os ensinamentos de Milton Friedman, os Chicago Boys construíram uma economia voltada para o mercado e para a elite econômica, deixando as classes mais baixas praticamente sem nenhum amparo do Estado.
Com o crescimento do modelo ultraliberal, uma nova Constituição é imposto pela ditadura Pinochet em 1980, garantindo apenas o ensino infantil. Quanto ao ensino primário e secundário, o governo deveria apenas “financiar um sistema gratuito”, o que gerou o enorme crescimento do setor privado na área. O ensino universitário, por sua vez, também passou a ser financiado, gerando uma dívida impagável para a maioria dos estudantes. O sistema de vouchers criado pelos ultraliberais chilenos, presente em quase todos os níveis da educação, ampliou demasiadamente as desigualdades existentes, prejudicando principalmente as localidades mais pobres.

As reformas desse sistema educacional, causadas por vários protestos na primeira década do milênio, não foram suficientes para aplacar as desigualdades. Mesmo aquelas feitas pelos governos de Michelle Bachellet, entre 2006 e 2010, e entre 2014 e 2018. Em síntese, a política econômica dos Chicago Boys destruiu o sonho da educação para as classes mais pobres, chegando até a classe média.
A Constituição de 1980 apenas complementa o plano de total transformação social implementado pelos Decretos-lei 2.756 e 2.758 (1979), chamado “As Sete Modernizações do Estado”. Esse plano tem na educação um dos alvos para a destruição da solidariedade social chilena, mas, como afirmado, a educação é apenas um desses alvos. A saúde, a previdência, as relações trabalhistas, o campo ambiental, o sistema financeiro, todos foram transformados buscando favorecer o grande capital e prejudicar, consequentemente, a classe trabalhadora.
A voz dos excluídos se faz presente no governo chileno
Com a chegada de Sebastián Piñera, um empresário de direita, ao poder, o tecido social chileno começa a se romper de vez. Piñera chega ao à presidência em 2018 e, em 2019, os primeiros grandes protestos começam, só terminando 2020. A violência contra esses atos e a força dos manifestantes levaram o presidente a pedir a renúncia de todo gabinete de ministros, algo que não aconteceu, apesar da demissão de oito deles, incluindo o ministro do Interior e de Segurança Pública. Ainda assim, as ruas não ficaram satisfeitas, e a saída foi a convocação de um plebiscito para saber se o povo queria ou não uma nova Constituição.
Em 25 de outubro de 2020, as ruas falaram e a opção por uma nova Constituição foi vitoriosa por uma esmagadora maioria, 78,27% dos votos, devendo essa Constituição ser construída por uma Assembleia que respeite a paridade entre homens e mulheres.

Nos dias 15 e 16 do presente mês, as eleições para a Convenção Constituinte do Chile aconteceram e apresentaram uma grande surpresa para aqueles que não acreditam na força de um povo. Das 155 cadeiras constituintes, 64% são independentes (não militam em nenhum partido político), com a grande maioria se declarando de esquerda. Os independentes, a esquerda e a centro-esquerda somados são a grande maioria da Convenção Constituinte e, com certeza, a dominarão. A direita, por sua vez, restou 37 cadeiras, menos de um terço do órgão constituinte, o que não lhe dá nem sequer o direito de veto, que pede ao menos um terço das cadeiras.
As mulheres em seu lugar
Pela primeira vez, o Chile terá uma Constituição democrática e com paridade entre homens e mulheres. Infelizmente, por uma decisão tomada para proteger as mulheres, 11 das 81 mulheres eleitas terão que abrir mão de suas cadeiras em nome da paridade. Assim como a esquerda, as mulheres mostram sua força no Chile. Além da votação citada acima, em Santiago, a economista Irací Hassler Jacob foi eleita prefeita, sua posse ocorrerá em 28 de junho. Com Irací, pela primeira vez Santiago terá no comando alguém do Partido Comunista.

Como disse o El País, “a esquerda chilena, após meio século, está a poucos passos de retomar o fio da história”, mas isso só foi possível através do espírito de luta de um povo. O Brasil deve aprender com o exemplo chileno, aprendizado esse que só aponta para um caminho, aquele das ruas.