É um jogo de perde e ganha, pesos e contrapesos, ver até onde vai, o que consegue, onde não consegue cruzar

por Vinícius Carvalho
“Se um índio desses se meter a besta vai ter derramamento de sangue em Brasília, hein? (…) Se mexer com um da direita aí cê vai ver. O povo tá numa sede, hein? O povo da direita, tenho falado com os líderes aí, os caras tão acesos. tá igual uma pólvora. Se riscar um pavio, se um índio desses se meter a besta, Brasília vai ‘desindianizar'”.
Pode parecer absurdo na nossa bolha, mas tal declaração acima, dita ontem, dia 05/09/2021, por Jackson Vilar entre gargalhadas e feições de loucura, num vídeo divulgado por ele próprio é uma amostra grátis do que os correligionários de Jair Bolsonaro estão dispostos amanhã.
Ainda falando sobre a nossa bolha, é lugar-comum apontar a hipocrisia dos “cidadãos de bem” e dos moralistas ultrarreligiosos da extrema-direita, mas o que está em jogo nunca foi termos razão, mas nos comunicar. No insano senso comum que tomou conta de uma mancha relativa da sociedade civil, esta figura está.; 1 – exercendo sua liberdade de expressa; 2 – lutando contra radicais de esquerda, estes sim, extremistas.
Mas quem é Jackson Vilar, a triste figura de meia-idade gravou de peito aberto tal vídeo? O resultado cagado e cuspido da nossa crise estética neofascista que tomou o país de assalto desde o início dos anos 2010. Presidente da Embaixada do Comércio do Brasil (sic), instituto obscuro, autorreferenciado e sem relevância real; ex-pastor evangélico; candidato a deputado federal derrotado; e agora o melhor: cantor gospel.
Isso mesmo, o pretenso genocida indígena, o potencial colonizador espanhol Sebastián de Belalcázar, o cosplay de Borba Gato, gravou um disco em 2015 cujas faixas eram: “Eu Quero é Deus”, “Amor Sem Medidas”, “Cuida de Mim”, “Deus de Poder”, “Ele Mudou”, “Ele Veio”, “Filho Meu”, “Pra Te Adorar”, dentre outras porcarias.
Sei que você pode estar rindo aqui, nesse exato momento do texto com os nomes das músicas. Mas isso é ou não é a estética horrorosa e repugnante imbricada com desejos nazifascistas outrora inconfessáveis e que agora viralizados abertamente, sem medo nem de prisão. Aliás, se nem medo de prisão essa turma possui mais, é porque eles acreditam fielmente que algo grande ocorrerá.
Os bolsonaristas estão em polvorosa com o 7 de setembro, sabemos. Muitos já cruzaram a linha do absurdo, como estamos vendo. Mesmo vendo correligionários sendo presos por ordem do ministro Alexandre de Moraes, redobram a aposta e continuam ameaçando as instituições abertamente.
Ditadura não tem estreia, não avisa quando chega. Amanhã a extrema-direita brasileira vai tentar usar o evento como divisor de águas, se a Polícia Federal e as polícias militares depois nos próximos dias simplesmente decidirem parar de cumprir ordens do STF, já estaremos vivendo uma ditadura. Uma com verniz de normalidade.
Agora, vamos combinar. Já sabíamos desde que Bolsonaro que seria assim, não? A direita bolsonarista brasileira está alegando que luta por liberdade de expressão, mas jamais defendeu a mesma. Ela apenas sequestrou esse conceito e vem tensionando os usos do mesmo, moldando-o de forma que liberdade de expressão seja apenas aquilo que eles defendam. Um exemplo, se eu como professor falar sobre Paulo Freire em sala de aula — um dos maiores intelectuais da história da humanidade, um dos autores mais prestigiados e citados no meio acadêmico mundial e responsável por um dos maiores programas de alfabetização de adultos da história — sou taxado de doutrinador. Já eles homenagearem torturadores é liberdade de expressão.
A direita compreendeu que existe espaço para a sua radicalização, e o que eles promovem no mundo é algo parecido com aquilo que foi defendido por Ayn Rand na obra “A Revolta de Atlas”. Liberdade de expressão é o termo sequestrado e tensiona esse debate para que ela — a extrema-direita representada por figuras como Steve Bannon, Milo Yannopoulos, Olavo de Carvalho, e supostos humoristas como Danilo Gentili, Carioca do Pânico e etc. — tenham a liberdade de rebelião. Mas uma rebelião reacionária. A rebelião de banqueiros e estados nacionais contra corpos, contra pessoas e trabalhadores em geral.
Uma rebelião violenta, que mata, persegue e prende. É como se fosse uma espécie de desforra, de vingança, contra lutas dos trabalhadores e dos defensores dos direitos civis. É como se eles defendessem um retorno a uma espécie de feudalismo e condições de trabalho e de vida precários como a da época da Revolução Industrial.
A direita dita liberal está em sono profundo, mas é um sono calculado. Em momentos de radicalização, o liberalismo sempre vai se aliar ao fascismo contra o bem-estar social, bem como ensinou um dos baluartes da Escola Austríaca, Ludwig von Mises. Ela só vai combater o fascismo quando este bater nas suas portas, como um tal de Winston Churchil.
Portanto, as figuras que sairão às ruas amanhã agirão tendo a certeza de que, como mini-tiranos, como ditadoreszinhos de boteco, eles podem desfilar o seu ódio a vontade e se alguém tentar algum tipo de confronto, eles possuem a “liberdade” amparada pelo estado que se fará presente naquele espaço para agredir, prender e espancar.
O neofascismo do regime Bolsonaro não se dará com ele mandando efetuar fuzilamentos ou prisões em massa. Vai se dar quando alguém for morto ou brutalizado por motivos ideológicos, ele, que possui a caneta do Estado nas mãos não faça simplesmente nada. Deixe acontecer…