América Latina dá um passo rumo ao trabalho doméstico remunerado

Argentina tornou lei o reconhecimento dos cuidados maternos para a contagem de tempo de serviço para a aposentadoria

por Beatriz Luna Buoso

Embora pouco tenha sido noticiado nos jornais do Brasil, a democracia Argentina triunfou mais uma vez na última segunda-feira (19). Seis meses depois de terem conquistado a legalização do aborto, as argentinas nos dão mais uma importante lição de luta política e conquistas. O país reconheceu a função social da maternidade e, a partir do dia 1º de agosto, haverá uma mudança na legislação em que os cuidados com os filhos passarão a ser considerados na contagem do tempo de serviço para a aposentadoria das mulheres.

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A responsável por levar o projeto para votação no Executivo, claro, é uma mulher, Fernanda Raverta. Fernanda é diretora executiva da ANSES (Administração Nacional de Seguridade Social) da Argentina. Segundo ela, trata-se de uma reparação previdenciária, já que 44% das mulheres em idade de se aposentar (60 anos ou mais) não recebem o benefício porque não trabalharam os 30 anos exigidos pela lei. O principal motivo é a pausa no emprego por causa da maternidade.

Com a nova legislação, o reconhecimento funcionará da seguinte forma:

  • Mães biológicas e gestantes receberão um ano de contribuição referente a cada criança nascida viva. Para as mães que optaram por adoção de uma criança ou adolescente menor de idade serão incluídos dois anos de trabalho por criança. Três anos caso tenha recebido o Abono Universal para Crianças (AUH) por pelo menos 12 meses.
  • O governo aplicará um ano a mais de serviço às contribuições de mães que possuam filhos portadores de deficiência, independentemente de serem biológicos ou adotados.
  • As mães e grávidas que tiraram licença maternidade ou de ausência para cuidar dos filhos poderão ter esse tempo revertido em contribuição, desde que elas tenham voltado à atividade que exerciam antes da dispensa temporária.

Com o retorno de um governo progressista na Argentina, as pautas feministas vêm ganhando espaço. Em meio a uma pandemia e crise econômica, chega como um alento a liberação do aborto e os cuidados com os filhos serem considerados trabalho e contarem na aposentadoria das mães. São importantes vitórias das mulheres e das mães argentinas, e, sem dúvida, Alberto Fernández tem ganhado pontos por legislar em favor de quem cuida, e valorizar o trabalho reprodutivo.

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Reprodução da força de trabalho

Parir, cuidar, educar, levar pra escola, preparar as refeições, auxiliar nas lições. Segundo a Pesquisa da Plan International ,”Por ser menina no Brasil”, essa é a realidade de pelo menos 73,3% das mulheres brasileiras. A pesquisa mostra que as tarefas de cuidar de crianças, idosos e pessoas com deficiência são realizados majoritariamente por mulheres. Sejam mães, avós ou irmãs.

Pesquisa da Plan Internacional, “Por ser menina no Brasil”, mostra que as mulheres são as principais responsáveis pelos cuidados das crianças

Historicamente, as mulheres sempre foram responsáveis pelo trabalho reprodutivo e pelo trabalho doméstico não remunerado. O momento em que uma mulher mais sente que a sociedade vira as costas para ela, é quando ela se torna mãe. Desde que a mulher engravida, sua vida é marcada por julgamentos morais sobre vários fatores. Trabalha exaustivamente, concilia a vida profissional com os cuidados com os filhos e as tarefas domésticas. Para quem essa obrigatoriedade toda é benéfica? Claro que para o capitalismo!

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Segundo o relatório “Tempo de cuidar” da Oxfam, o trabalho doméstico não remunerado das mulheres, de cuidado de crianças e idosos, de limpeza e manutenção da casa, gera pelo menos 10,8 trilhões de dólares por ano. Ou seja, é um tipo de trabalho essencial para as sociedades e principalmente para a economia.

O valor do trabalho doméstico e dos cuidados com as crianças e pessoas idosas ou com deficiência – tarefas de que a economia depende – representa entre 10% e 39% do PIB. Pode pesar mais na economia de um país do que pesam a indústria manufatureira ou a do comércio. Se ninguém investisse tempo, esforços e recursos nessas tarefas diárias essenciais, economias inteiras ficariam estagnadas.

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Segundo a filósofa italiana Silvia Frederici, o sistema capitalista DEPENDE do trabalho não remunerado das mulheres para acumular valor, e esta exploração está ainda mais evidente agora com a crise econômica e sanitária causada pela pandemia do novo coronavírus.

Dados do relatório Tempo de Cuidar, da Oxfam

Partiu, Argentina!

Com certeza a pandemia evidenciou essa situação dramática que as mulheres passam e que está longe de acabar. Acertadamente, o movimento feminista da Argentina tem se fortalecido e confrontado o Estado, exigindo políticas públicas eficazes para as mulheres e mães.
Enquanto isso no Brasil: “Mulher tem que ganhar menos, pois engravida”.

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Para nós, brasileiras, além de toda exploração, ainda vivemos sob um governo inimigo das mulheres. Que nos apoiemos umas nas outras através de redes de apoio, economia solidária e sigamos na luta anticapitalista por uma sociedade que coloque nossas vidas no centro.

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