A vitória da esquerda no Chile: um rápido paralelo com o Brasil

A vitória de Gabriel Boric sobre José Antonio Kast representa a rejeição do fascismo e do neoliberalismo radical pela maioria do povo chileno, o que será repetido no Brasil

Por que shoras, Pinochet?
por Alexandre Lessa da Silva

Gabriel Boric é o mais novo presidente eleito do Chile. Acabou de vencer, no segundo turno (19/12), a José Antonio Kast, o que consolida a esquerda como a maior força do espectro político chileno atualmente. Essa força já havia sido demonstrada na escolha para a Constituinte chilena, em maio desse ano, uma vez que a esquerda, somando as duas listas que representam as coligações desse espectro, chegou em primeiro lugar, seguida pelos independentes e pela direita, em último lugar.

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O presidente que tomará posse em 11 de março de 2022 é o mais jovem presidente da história do Chile. Atualmente com 35 anos, Boric pertence à Câmara dos Deputados e tem um passado como líder estudantil, tendo sido presidente da Federação de Estudantes da Universidade do Chile. Participou da criação da Frente Ampla (Frente Amplio), uma coalizão política de esquerda formada em 2017 para concorrer com as duas grandes coalizões políticas do período. De algumas correntes da Frente Ampla, nasce o atual partido de Boric, o Convergência Social, com uma soma de várias pautas ligadas à esquerda. O novo presidente pertence à corrente Desbordar Lo Posible (Transbordar o Possível), marcada pela participação popular, feminismo, causas identitárias, democracia e negação da centralização política.

Boric, apesar de ser chamado “extremista de esquerda” por seus opositotores (quem não é?), certamente está longe de sê-lo. Já criticou Chávez e Maduro, além de falar duramente contra as eleições na Nicarágua, “minha posição é clara: respeito total e irrestrito pela democracia em todos os lugares, inclusive na Nicarágua”. Em função disso, Boric acabou por receber críticas do Partido Comunista do Chile, mas que não foram suficiente para fazer o partido marxista-leninista sair da coalizão de partidos de esquerda que o apoia, a Apruebo Dignidad (Aprovo a Dignidade).

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Certamente, Boric não vem de um partido tradicional chileno, mas isso não dá direito a Globo, no Fantástico (19/12/2021), de dizer que ele não pertence a uma “centro-esquerda moderada”. Aliás, o que seria uma centro-esquerda que não é moderada? A grande mídia brasileira, também no caso chileno, não se cansa em falar de “polarização”, mesmo quando não há polos opostos. Talvez, as únicas formas permitidas de uso de “polarização”, nos casos do Brasil e do Chile, é sublinhar a que existe entre democracia e autoritarismo ou entre civilização e barbárie. Apesar disso, a mídia corporativa não cansa de querer apresentar qualquer político de esquerda no mundo como um sectário fora do campo da racionalidade. Para esse tipo de imprensa, a centro-esquerda nada mais seria que o centro ou mesmo a centro-direita. Assim, o discurso da polarização não é mais que uma tentativa desesperada de fortalecer a segunda via da direita, algo que as pesquisas demonstram a impossibilidade.

José Antonio Kast Rist, o candidato derrotado por Boric, pertence ao Partido Republicano, uma agremiação que reúne uma série de ideologias de extrema-direita, como o pinochetismo, ultraconservadorismo, nacionalismo, autoritarismo, antifeminismo, populismo de direita, em suma, um partido com uma Weltanschauung fascista. Apesar de ser uma pessoa calma e gentil, diferente de Bolsonaro e da maioria dos líderes da extrema-direita mundial, Kast comunga das mesmas ideias: alertas sobre a “ditadura gay”, o perigo de um “governo mundial”, os “males do feminismo” e elogios a ditadores sempre estão presentes em seus discurso. Em seu programa, Kast defende a extinção do Ministério da Mulher, ataca todas as formas de aborto, aposta na “luta contra o crime” (quem não?), repressão da imigração e no punitivismo.

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Admirador de Pinochet, Trump e Bolsonaro, Kast é católico fervoroso e pertence ao Movimento Apostólico de Schoenstatt. Sua carreira política, assim como Boric, começa como líder estudantil na FEUC (Federação de Estudantes da Universidade Católica do Chile). Entretanto, sempre trilhou o caminho da extrema direita, apoiando, por exemplo, a continuidade do governo Pinochet em 1988.

A candidatura de Kast levou um duro golpe com a revelação de uma carteira de identidade do pai do político, Michael Kast, foi obtida no Arquivo Federal da Alemanha. A carteira demonstrava que Michael Kast foi filiado ao Partido Nazista da Alemanha durante o auge da Segunda Grande Guerra. Assim, seu pai não foi só soldado do exército de Hitler, mas também membro de seu partido, o que possivelmente explica muito das tendências políticas do candidato derrotado. Dessa forma, Kast tinha o currículo completo de um candidato da extrema direita, melhor até que o de Bolsonaro, já que esse último teve a necessidade de mentir quando afirmou que seu avô tinha lutado no exército nazista.

Mesmo com a migração da maioria dos apoiadores do atual presidente do Chile, Sebastián Piñera, para seu lado e a tentativa golpista de sumir com o transporte público para impedir que muitos eleitores de esquerda votassem,  Kast não teve fôlego para enfrentar a coalizão de esquerda e acabou aceitando a derrota e parabenizando o candidato vitorioso pelo Twitter.

A esquerda brasileira já comemora a eleição de Gabriel Boric. Lula parabenizou o “companheiro” por sua eleição, demonstrando sua felicidade “por mais uma vitória de um candidato democrata e progressista  na nossa América Latina”. Guilherme Boulos vibrou com a vitória e lembrou da derrota da extrema direita. Freixo, Manuela, Ivan Valente, entre outros, também comemoraram a vitória de Boric. Toda essa comemoração não é à toa, uma vez que a vitória da esquerda no Chile é um prenúncio das eleições brasileiras no ano que vem.

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Assim como aconteceu no Chile, com a derrota do candidato de extrema-direita que prometia “ordem e progresso”, mas que tinha um projeto destrutivo para o país, deverá acontecer no Brasil. As semelhanças entre Kast e Bolsonaro são imensas, uma vez que beberam na mesma fonte fascista nascida na Itália e que jorra uma água contaminada até hoje. Por outro lado, Boric tem um jeito de fazer político bem próximo àquele de Lula, o que faz as comparações surgirem imediatamente. Por isso, é necessário que Boric cumpra sua promessa e que Lula, ganhando no Brasil, siga o mesmo caminho. O presidente chileno eleito prometeu que “se o Chile foi o berço do neoliberalismo, também será seu túmulo”. Sábias palavras que a maior parte da população brasileira também espera que sejam pronunciadas pelo candidato que dispara em todas as pesquisas.

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