É preciso desconstruir a falsa premissa que sustenta a ideia de que direitos trabalhistas geram desemprego; na verdade, é a falta de estabilidade que gera desemprego e baixo consumo

por Bruno Machado de Carvalho
Afinal, há vínculo trabalhista entre os entregadores e as empresa de aplicativos? É desejável esse vínculo ou sua ausência e a flexibilidade dessas relações de trabalho é justamente sua vantagem? Essas questões vieram à tona no último dia 1º, quando dezenas de milhares de entregadores a serviço de empresas como Rappi, Ifood, Loggi e UberEats realizaram uma paralisação nacional.
Em relação ao vínculo empregatício, em diversas cidades e estados do mundo, principalmente nos EUA, decisões judiciais já deixaram claro que há, sim, vínculo empregatício. Os aplicativos impõem todas as condições de realização do serviço, desligam e ligam o entregador quando querem e, principalmente, determinam os preços dos serviços.
Sem haver dúvidas de que existe um vínculo empregatício entre entregadores e empresas de aplicativos, fica a discussão: uma regulamentação trabalhista desses serviços traria prejuízos à sociedade? Em relação à concorrência, fica evidente que o oligopólio das poucas empresas de aplicativos é formado por sua possibilidade de aproveitar a brecha da falta de legislação trabalhista para oferecerem a entrega com preços abaixo do mercado formal. Isso impede que restaurantes possam competir com os aplicativos que possuem entregadores próprios, impondo-se a eles a adesão aos aplicativos – com suas relações abusivas com os entregadores.
Em relação aos direitos trabalhistas – ao contrário do que afirmam alguns comentaristas na imprensa – piso salarial e proteção trabalhistas não geram desemprego, pois não reduzem a demanda por consumo. A imposição legal de direitos trabalhistas em favor dos entregadores aumentará o custo das entregas, sem dúvida alguma, mas não geraria desemprego. Um aumento do valor das entregas desestimulará o uso dos serviços de entrega por aplicativos pelos consumidores, restaurando a concorrência com a mão-de-obra contratada pelos fornecedores e o consumo presencial – em restaurantes físicos ou supermercados, por exemplo. Dessa forma, haveria tanto uma transição: mais vagas de entregadores formais, mais garçons, mais caixas de supermercado etc. – mas não desemprego. Afinal, o que determina o emprego é a renda nacional que gera demanda na economia.
Assim como os impostos, direitos trabalhistas não afetam a produção de riqueza nem o desemprego, pois têm um caráter apenas distributivo. Nesse caso específico, a aprovação de direitos trabalhistas em favor dos entregadores seria uma transferência de renda do restante da população para esses trabalhadores. Como a faixa de renda dos entregadores é baixa e o uso desse tipo de aplicativo não é majoritário nas classes populares com dividendos abaixo de um salário mínimo, essa transferência de canal de consumo seria positiva, melhorando a situação social do país.
A questão dos direitos trabalhistas dos entregadores é, portanto, uma questão apenas política e não econômica. A sociedade deve escolher entre: a) manter a precarização do trabalho dos entregadores para ter entregas mais baratas e b) aprovar direitos trabalhadores aos entregadores e pagar entregas mais caras e também consumir onde os empregados estão regular e humanitariamente empregados.
Eu já fiz minha escolha e não tenho dúvida quanto a ela.