A esquerda diante do coronavírus

A cada pronunciamento vindo da Presidência da República, panelaços ganham vida em muitas janelas do Brasil. Há um tempo, poderíamos dizer que isso era sobre a direita protestando, mas, hoje, trata-se de uma parcela da esquerda que prefere preservar a vida do povo e não realizar manifestações de rua em plena pandemia.

Imagem: Shutterstock
por Alexandre Flach

No mundo da pandemia, até o que sempre foi óbvio parece que virou de cabeça para baixo. Era óbvio, até hoje, que se a direita tem o poder da grana, a esquerda depende diretamente da força do povo. Também não havia dúvida de que o poder do povo só fica realmente claro quando as multidões ganham as ruas.

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O povo sempre mostrou sua força real nas grandes manifestações, agitando suas bandeiras, gritando palavras de ordem e assim encurralando a direita, patrões, políticos conservadores, donos do grande capital e dos latifúndios, até que eles não tivessem outra saída a não ser ceder à vontade popular. Para a esquerda este sempre foi o único caminho.

#FiqueEmCasa

Mas nestes tempos estranhos, enquanto a extrema-direita é que vai para as ruas gritar, ameaçar, relinchar e até ajoelhar e rezar – e todas aquelas coisas ridículas da direita – para que as pessoas ignorem a ciência e se lancem de peito aberto (talvez com máscara no queixo) no vírus da morte, é justamente a esquerda que luta pelo direito de “ficar em casa”, o isolamento em massa do povo.

Em toda a esquerda –  à parte algumas vacilações de setores minoritários –  em geral o que se vê é uma clara opção de abrir mão da sua fonte imediata de poder, povo na rua, para priorizar a vida das pessoas. A esquerda é que está na frente de luta para que todas as pessoas possam ter condições de se protegerem em quarentena.

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A aprovação no Congresso Nacional do auxílio emergencial para desempregados e informais – os R$600 que estão demorando para chegar nas mãos do povo devido ao evidente boicote de Bolsonaro – foi resultado da decisão política de PT, PSOL e PCdoB de lutar por essa condição mínima para a população pobre poder se isolar.

Além dos desempregados, a esquerda também já começa a conquistar algumas proteções aos empregados. Patrões de micro e pequenas empresas não poderão demitir se quiserem ter acesso à linha de crédito especial para a pandemia.  Agora, tramita uma nova proposta da esquerda para comprar toda a produção de agricultores familiares e distribuir esses alimentos para as populações carentes.

Sindicatos

Os trabalhadores sindicalizados também aderiram a essa luta pelo isolamento. Na CUT, o seu presidente, Sérgio Nobre, critica a posição da direita bolsonarista:

“Enquanto a CUT, os sindicatos e o fórum das centrais sindicais e todo mundo que tem responsabilidade neste País luta e trabalha para que os trabalhadores possam ficar em casa em condições de segurança, com direitos e estabilidade no emprego, renda, abastecimento, para poder se manter em isolamento, garantindo assim a sua saúde e da sua família, Bolsonaro, irresponsavelmente, chama a população para as ruas, arriscando a vida em especial dos mais pobres”.

Movimentos populares

Entre os movimentos populares, a prioridade é a luta direta contra a fome, que chegou com toda a força nas periferias e nas ruas do país, intensificada pela falta da merenda das escolas e paralisação do comércio informal, em que milhões de desempregados ainda conseguiam ir se virando.

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O maior movimento popular do Brasil, o MST, organizou a “Reforma Agrária contra a impunidade, produzindo alimentos pro campo e cidade”, atividade que promove doação de alimentos e refeições para populações pobres das grandes cidades produzidos por pequenos produtores assentados. Os Sem-Terra chegaram a entregar 500 toneladas de alimentos, “para mostrar para toda a população os resultados da luta pela Reforma Agrária”. 

Ganhar apoio popular, mostrando resultados, não resta dúvida de que é imprescindível a esse movimento que hoje se vê às voltas em lutas judiciais para conseguir uma trégua ao menos nas ações de despejo. Os processos prosseguem sem piedade contra os sem-terra, mesmo na pandemia. Completam o quadro de lutas da esquerda os cidadãos voluntários que se esforçam em ações de solidariedade em diversos coletivos pelo Brasil.

Solidariedade

Movimentos como da “Associação Unidos Comunitário do Jardim Papai Noel”, na capital de São Paulo, e o “Coletivo Alvorada”, em Belo Horizonte, organizam campanhas financeiras para levar cestas-básicas a moradores de bairros populares, enquanto os moradores de rua ganham uma força de grupos como os “Motoboys Solidários”, de Volta Redonda, e as “Cozinheiras com Amor”, também de Belo Horizonte.

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Ao que parece, se as ruas, que sempre foram e serão o lugar natural da esquerda porque é lá que as pessoas se encontram umas com as outras e se tornam multidão, nesses dias que apontam para uma profunda transformação da sociedade, o povo demonstra que por dentro das ruas o que sempre existiu foi o poder da solidariedade de muitos vencendo o individualismo de alguns.

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E se o futuro de toda esta luta é tão incerta quanto os rumos dessa civilização pós-pandemia, uma coisa vai ficando clara: graves crises como estas do século XXI cada vez mais demonstram que as organizações do povo – partidos, sindicatos, movimentos populares, coletivos – são as estruturas sociais que têm condições de realmente proteger as pessoas e trazer alguma segurança à sociedade.

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