A baleia que pode afundar o barco da esquerda

Bloco de Maia coloca o PT a serviço da direita liberal para posteriormente isolar o partido e a esquerda e levar ao “mal menor” em 2022

Imagem: Wonderful Nature
por Salatiel Neres

No último dia 4 o PT deliberou apoiar a candidatura do deputado Baleia Rossi (MDB-SP) à presidência da Câmara dos Deputados, candidato indicado pelo atual presidente da câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ), e representante de um bloco formado por 11 partidos. A decisão, segundo parlamentares petistas, seria a única forma de impedir o candidato apoiado por Jair Bolsonaro (sem partido), Arthur Lira (Progressistas-AL), de chegar à presidência da câmara, e, uma vez no controle da casa legislativa, facilitar a aprovação das pautas de extrema-direita, como o excludente de ilicitude.

Contribua com O Partisano - Catarse dO Partisano

O apoio ao “bloco do Rodrigo Maia” – como vem sendo chamado pela imprensa hegemônica – venceu por 27 a 23 votos. Praticamente dividida a bancada petista, a maior da casa com 52 parlamentares, encontra-se numa posição desconfortável e essa decisão pode ser extremamente prejudicial para o Partido dos Trabalhadores, que mesmo apesar de todos os ataques da operação Lava Jato, ainda é o maior partido de esquerda do Brasil e tem entre seus dirigentes o maior líder político da atualidade. Isso faz com que os rumos do PT afetem profundamente toda a política nacional. 

É óbvio que todos os envolvidos nas decisões do partido têm plena consciência dessa enorme responsabilidade, e de que estão em jogo as eleições presidenciais de 2022, bem como o futuro do PT. Por isso convido o leitor a analisar algumas questões pertinentes.

Quais são as diferenças entre o candidato de Maia e o de Bolsonaro?

Do ponto de vista das políticas neoliberais ambos estão em perfeito acordo. Note-se que Baleia Rossi, assim como a bancada do PP, votou pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff, que possibilitou o golpe de 2016. E que, através do golpista Michel Temer, possibilitou aprovar, entre outras barbaridades contra o povo, a  PEC do Teto dos Gastos Públicos, ou PEC da morte, como fica mais evidente a cada dia com a sucateamento do SUS e os quase duzentos mil mortos pela Covid19.

Ao ser questionado sobre o seu voto favorável ao impeachment, Baleia Rossi disse ser “do baixo-clero”, e que seu voto “não foi significativo para a deposição de Dilma”. Não se trata de divergências políticas apenas. Apoiar Baleia Rossi é “virar a página” do golpe.

Leia também:  Elon Musk: um convite ao ódio de classe

Os dois pleiteantes à presidência da Câmara têm posições muito similares e nos últimos dois anos votaram sempre com o governo. Em dez das principais votações, como por exemplo a reforma da previdência, e a medida provisória da liberdade econômica, ambos foram fiéis ao governo de Bolsonaro.

Segundo estudo da consultoria Arko Advice, Baleia Rossi teve um índice de apoio ao governo de 90,24% em 2019, e Arthur Lira 86,29%. Em 2020 os percentuais foram de 77,82% e 70,59%, respectivamente. O apoio do PT é importante para o candidato de Maia, haja vista a bancada petista ser a maior na casa legislativa, porém este apoio seria suficiente para que o deputado Baleia Rossi mudasse de posição?

O candidato apoiado por Jair Bolsonaro, Arthur Lira, longe de ser um trunfo bolsonarista, cumpre na realidade um duplo papel, como um elemento de continuidade da aproximação entre o presidente e o chamando “centrão”, que, diga-se de passagem, está muito bem consolidada, e um outro papel como espantalho para lançar a esquerda mais uma vez na política do “mal menor”, a exemplo das últimas eleições municipais.

Acreditar, que uma vez sendo eleito, o parlamentar irá abraçar as pautas progressistas, é no mínimo muita ingenuidade. A entrevista dada por Rodrigo Maia (DEM-RJ) à Folha de S. Paulo não deixa muita margem para dúvidas sobre como as coisas vão se desdobrar no próximo biênio.

Maia deixou claro que as pautas neoliberais e de privatizações vão continuar em 2021. Quando perguntado se o seu bloco está em oposição ao governo, foi categórico: “Não estamos em oposição a ninguém, estamos a favor da democracia, da liberdade, do meio ambiente. O nosso campo vota majoritariamente a favor da agenda econômica do governo. Após a sucessão, é óbvio que a agenda econômica vai continuar sendo liberal”.

Ao ser indagado sobre desentendimentos com o Chicago boy e ministro da economia Paulo Guedes foi objetivo: “Não estou rompido com ele não. Mas eu não preciso [dialogar com ele]. Votamos tudo sem a gente precisar ter um diálogo.”

Leia também:  Até a liberdade de expressão tem limites

O que esperar então das privatizações? Sobre se haveria algum compromisso com a oposição para não pautar as privatizações, o atual presidente da Câmara foi peremptório: “Não. Não há compromisso de deixar de pautar matéria alguma”.

Rodrigo Maia não oculta suas intenções. Já no documento divulgado pelo Partido dos Trabalhadores por ocasião de deliberação de apoio a Baleia Rossi os pontos são bem genéricos em relação a quais seriam os “compromissos assumidos” pelo bloco do Maia numa eventual vitória de seu candidato. Defesa da democracia, independência do Poder Legislativo, lutar pelos direitos do povo brasileiro. Ora, já não são esses os compromissos inerentes à função de todos os parlamentares?

Unir-se ao bloco em apoio a Baleia Rossi foi a melhor opção?

Uma pergunta direta e simples. A resposta porém é complexa. Uma decisão desta envergadura requer várias análises e ponderações. Olhemos mais de perto então a posição derrotada dos 23 parlamentares que foram contrários ao apoio ao candidato de Maia, pelo menos num primeiro momento. Este grupo propôs que fosse lançada uma candidatura própria, e um eventual apoio a Baleia Rossi ocorreria apenas no segundo turno. Os argumentos contrários a essa posição são os de que o PT ficaria isolado, e de que não adiantaria nada uma candidatura que certamente seria derrotada.

Ficar isolado em alguns momentos faz parte da política e não seria a primeira vez que o Partido dos Trabalhadores assumiria uma posição resoluta e coerente, sobre tudo com o sentimento da militância de base, dos sindicalistas, dos movimentos populares e da massa trabalhadora em geral, que por sinal vem sendo desconsiderada nos cálculos políticos das últimas décadas. Uma candidatura derrotada eleitoralmente pode na verdade trazer uma vitória política, com o partido se posicionando estrategicamente, no confronto com a direita liberal e os fascistas e fornecendo uma alternativa de esquerda na busca da recuperação do protagonismo na Câmara e no cenário político nacional.

Colocar a esquerda a serviço da direita liberal e depois isolá-la; eis a estratégia

Embora o PT tenha deixado claro que essa aliança não se estende às eleições presidenciais de 2022, o mesmo não o faz Rodrigo Maia e os demais partidos do bloco. Mais uma vez Maia é claro e direto sobre os objetivos da aliança que vão muito além da eleição da Mesa Diretora da Câmara. Nas suas próprias palavras: “Eu acho que é um sinal forte de que parte desse bloco pode estar junto em 2022. Nós demos o grande passo para reduzir de vez a radicalização da política brasileira”…

Leia também:  Bolsonaro pode usar 7 de setembro como teste para ruptura

Trocando um miúdos: a direita liberal conta com Bolsonaro no segundo turno em 2022 e pretende trazer a esquerda a reboque para conseguir apoio a um candidato liberal em oposição a Bolsonaro – velha política do mal menor – aprofundando assim o golpe de 2016, com um verniz de legalidade e democracia, retomando o controle do país e seguindo firme nas pautas de ataque aos trabalhadores, desmonte do SUS, arrocho salarial, destruição do meio ambiente, privatizações e todo o pacote de perversidades que Paulo Guedes tem na manga. 

No romance do autor estadunidense Herman Melville, Moby Dick, um obstinado e supostamente pragmático capitão subestima a força e sagacidade do seu arqui-inimigo, uma terrível baleia, que já lhe arrancou uma perna. Ele parte à sua caça de forma instintiva e sem dar ouvidos às opiniões divergentes dos seus marinheiros. O final é bem conhecido, Moby Dick afunda o barco matando o capitão Ahab e toda a tripulação, apenas o narrador Ismael sobrevive para contar a história. 

Contribua com O Partisano - Catarse dO Partisano

Nesse mar revolto da política nacional, o PT embarca nesse barco furado, num oceano cheio de tubarões, parecendo navegar sem destino, ao sabor do vento, como que seguindo o canto de uma perigosa e inimiga baleia rumo ao seu naufrágio.

Deixe uma resposta