Conversas obtidas através da Operação Spoofing mostram integrantes do MPF tomando decisões políticas para definir pedido de prisão preventiva de Lula; eles se assustaram com os atos de 18 de março de 2016: “a jararaca ainda tem cabeça”

por Lucas Rocha para a Revista Fórum
Desde 2016, os procuradores da Força-Tarefa da Operação Lava Jato de Curitiba já pensavam em apresentar um pedido de prisão preventiva contra o ex-presidente Lula logo na primeira denúncia feita contra o ex-mandatário. O que impediu essa movimentação foram fatores políticos. Como a história mostrou, Lula foi preso apenas em 2018, meses antes das eleições que elegeram Jair Bolsonaro como presidente.
Mensagens obtidas pela defesa do ex-presidente Lula na Operação Spoofing enviadas ao ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, após perícia mostram procuradores debatendo sobre o momento político em meio ao vazamento ilegal de áudio pelo ex-juiz Sérgio Moro que teve como objetivo barrar a nomeação do ex-presidente Lula como ministro no governo Dilma Rousseff.
“Caríssimos, acho que temos que ter um pouco de cuidado para não fazer um mártir. Ou pior, um mártir vivo, justificando o discurso do Lula de que se vê como preso politico”, escreveu o procurador Antônio Carlos Welter. “Ele voltaria encarnando um ressuscitado após a semana santa. Pior cenário impossível. […] Não podemos esquecer que hoje, depois de muito
tempo, o PT levou 200.000 pessoas na Av. Paulista”, completou.
A mensagem foi enviada em 18 de março, mesmo dia de em que atos contra a prisão de Lula e contra o impeachment de Dilma Rousseff aconteceram em todo o Brasil. Os procuradores discutiam já sobre a prisão preventiva. Confira como foi o discurso de Lula naquela ocasião.
No dia seguinte, Deltan Dallagnol concorda parcialmente com Welter: “Caros, concordo com Welter e CF em nos armarmos, deixarmos a denúncia pronta, e avaliar o momento, que pode ser após a liminar (ou talvez antes). Temos que retomar a tática das múltiplas frentes para aumentar o peso da peça”.
O procurador Orlando Martello Jr demonstra concordar e reforça a mobilização que houve na Avenida Paulista, apesar de dizer que pessoas “foram pagas” (sic) para participarem. “Amigos, Aniversário – é no dia 25/3 (sexta-feira). Presentes podem ser deixados na moda mesa. Prisão de lula – jamais em 1-instancia. Jamais é demais! Seria loucura, salvo motivo novo. Denúncia – não protocolaria antes do stf decidir definitivamente, salvo se passar dos 30/40 dias q iríamos utilizar. Em outras palavras, não correria além do normal. […] Manifestações de ontem – embora embalada em showmício e pagamento de muitas pessoas, deu para ver q a jararaca ainda tem cabeça”, declarou.
Naquele mês, Lula havia dito uma das frases mais marcantes daquele período: “Se quiseram matar a jararaca, não fizeram direito, pois não bateram na cabeça, bateram no rabo, porque a jararaca está viva”.
Em seguida, é Júlio Noronha quem reforça a tese de que o momento político não era propício para pedir a prisão de Lula. “Quanto ao pedido de pp [prisão preventiva], SB disse que ainda não há um consenso no GT: alguns acham importante fazer rápido, para aproveitar o momento, outros entendem que não é o momento (criaria um mártir, etc.). Eu disse que essa última posição se parece mais com a nossa em geral”, escreveu. Pelo contexto das mensagens “SB” parece ser alguém ligado ao GT da Lava Jato de Brasília.
A conversa sobre a prisão preventiva aconteceu meses antes da primeira denúncia apresentada contra Lula, em setembro de 2016. No dia 14 daquele mês, o chefe da operação, Deltan Dallagnol, fez a fatídica apresentação de um PowerPoint contra o ex-presidente sem provas, apenas com convicções.