Construir “microestados efêmeros” e ocupá-los por 24h: assim Rubén Martín de Lucas questiona a artificialidade das fronteiras e reforça nossa relação tensa com o Planeta Terra

por Sophie Wright para o Lens Culture, com tradução de Danilo Matoso
As paisagens geométricas de Rubén Martín de Lucas nascem de poucos gestos simples: apropriar-se de 100 metros quadrados de área, desenhar uma fronteira e habitar ali por não mais de 24h. De estacionamentos a plantações vazias, trechos comuns de terra são transformados por essas ações naquilo que o artista descreve como “microestados efêmeros”. Ali, naqueles territórios limpos e ordenados, com população de um só habitante solitário, torna-se patente o esforço humano para delinear e controlar o mundo natural.
As vistas aéreas em Repúblicas Mínimas, capturadas por um drone, resultam em fotografias impressionantes – mas Martín de Lucas não se autointitula um fotógrafo. Sua trajetória artística começou com projetos de arte de rua (ele também é cofundador do coletivo espanhol de arte urbana Boa Mistura, e ele prefere descrever a si mesmo como um pintor que por acaso também tem formação em Engenharia Civil e do Território. Com essa ampla e rica variedade de disciplinas e de conhecimento, Martín de Lucas tem desenvoltura na escolha do meio que melhor traduz as ideias que deseja discutir.

Uma questão recorrente é a relação tensa que temos com nosso planeta, e como encontrar meios de visualizá-la. “Eu estudo as relações que nos unem ao território. Quase sempre, essas relações consistem em dominação e controle” – lamenta. “A humanidade se colocou no topo de uma pirâmide, como se os demais seres – vivos e inanimados – estivessem a nosso serviço, ao invés de perceber que obviamente somos um nó numa dentro de uma rede de nós. Um sistema em que todos os nós e relacionamentos são importantes. Uma natureza da qual fazemos parte, e não uma natureza vista como um oposto, uma entidade distante, estranha e oposta – como normalmente a enxergamos.
Repúblicas Mínimas é parte de seu primeiro projeto fora da pintura, Stupid Borders [Fronteiras Estúpidas]. Propondo-se a questionar a natureza artificial das fronteiras, e o conceito líquido de Estado-Nação, Martín de Lucas encontrou sua resposta numa mescla de abstração e absurdo. Buscando locações com poucos atrativos ou recursos, essas “repúblicas mínimas” são focos improváveis de uma nova nação, amplificando a carência de sentido do gesto de ocupação temporária de Martín de Lucas. “Eu uso a geometria porque é o critério mais frio e absurdo para definir uma fronteira, e uso o drone para elevar o ponto de vista”, explica o artista. “Quando o espectador se distancia e a vê de cima, vê também o absurdo dessas micronações e, consequentemente, a artificialidade de todas as fronteiras”.

Cada microestado é normalmente exibido junto a um vídeo que mostra Martín de Lucas como um cidadão solitário de cada nação, realizando ações arbitrárias como patrulhar a fronteira, ler um livro ou fazer exercício. O efeito é quase farsesco, evidenciando a atitude ambígua que temos em relação ao mundo natural e reforçando o injustificado senso de posse que temos em relação ao nosso ambiente. “Acho que o humor funciona muito bem como um primeiro contato com o espectador” – diz. “Ele nos convida a ficar e observar”.
Além do humor, há ali também uma convocação séria a agir. “Penso que é urgente rever e reexaminar nossos relacionamentos com nosso ambiente, porque eles definem nosso comportamento como espécie. Não somos indivíduos isolados. Somos parte de uma rede complexa, uma natureza de que somos parte; somos todos nós e todas os relacionamentos são valiosos” – ressalta Martín de Lucas. “Vivemos hoje num planeta superpovoado por nossa espécie e não estamos nos saindo nada bem. Devemos ser críticos quanto a nossas ações. Vale dizer: 99,9% das outras espécies estariam melhores sem nós. E isso não diz muito em nosso favor.


Minimal Republic nº2, Area: 100 m², Population: 1 inhabitant, Border: equilateral triangle, side 15.19 m made of wooden slats assembled, Location: 40.039637º, -5.1146942º, Start: July 23, 2015, 12:21, End: July 23, 2015, 21:48 © Rubén Martín de Lucas
Minimal Republic nº:1, Area: 100m2, Population: 1 people, Border: circle of 5.64m radios, groove excavated and filled with plaster, Location: 39.980853º, -3.902486º, Start: July 28, 2015, 09:02 a.m, End: July 29, 2015, 09:03 a.m © Rubén Martín de Lucas
Minimal Republic nº8, Area: 100 m2, Border: circle of 5.64 m radius of stacked stubble, Population: 1 inhabitant, Location: 41.4152292, -3.3632866, Start: September 8, 2017, 18:41, End: September 9, 2017, 18:40 © Rubén Martín de Lucas


