Pina: “Repensar a forma como utilizamos a cidade é fundamental”

Uma conversa sobre o papel da arte de rua no contexto urbano das grandes metrópoles, contra a “morte” da tinta cinza de prefeitos conservadores

Imagem: Pina e a cidade
por Vitor Teixeira

A cidade está viva e nós somos a cidade. Essas são premissas da intervenção de Tom Pina nas ruas, galerias e redes.

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Nascido em Bauru em 1989, Pina é formado em arquitetura e morador de São Paulo desde 2014. É possível que o leitor, em algum de seus trajetos pela capital, já tenha se relacionado de alguma forma com a sua obra. Pina é um artista que vive exclusivamente do seu trabalho como estencialista, militando por uma cidade viva, contra os muros cinzas das classes conservadoras, inimigas sempre de qualquer expressão popular. O Partisano conversou com Pina sobre suas concepções a respeito de sua atividade, linguagens, materiais e sobre o tema fundamental da sua obra, a cidade.

O Partisano: A técnica de estêncil é utilizada como método de expressão gráfica há milhares de anos por chineses e árabes, e existem até registros pré-históricos que remetem a essa técnica. O que levou você a escolher o estêncil como ferramenta para fazer arte?

Pina: É verdade, essa ancestralidade gráfica que vive ainda no estêncil me interessa muito, mas esse interesse foi secundário dentro da minha linha de aprendizado. Eu me interessei pela técnica em 2008, quando já tinha contato com graffiti, mas comecei a prestar atenção no estêncil por conta da praticidade de aplicação e também da quantidade de informação que “cabe” numa máscara. Você consegue colocar muito material gráfico, muitos detalhes, e replicar isso na rua de uma forma muito rápida, discreta e barata, além da possibilidade de
criar cartazes, zines, adesivos… e como eu vinha de uma escola de arquitetura e design, acabei atraído por essa técnica, esteticamente muito interessante, e que, mesmo arcaica, funciona para reprodução gráfica em pequena e média escala de uma forma super democrática.

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Imagem: Pina

Me interessa hoje, também, o aspecto histórico do estêncil, desde tingimento de tecidos na Ásia, Oriente Médio, Europa, depois utilizado na demarcação de material militar na primeira guerra, e hoje ele chega pra gente através da arte de rua, do graffiti, que por sua vez incorporara outros movimentos de contracultura. Então, o estêncil transpassa de uma forma bastante bonita a história da humanidade.

OP: O conjunto da sua obra tem uma forte relação com a cidade e com o espaço urbano. O que te motivou a se debruçar sobre esse assunto?

P: É uma busca por um ponto de vista. Acho que tem mais a ver com as perguntas que fazemos, é quase uma aventura às cegas. Talvez o motivo seja a curiosidade em saber qual o limiar do indivíduo e da sociedade, e como transformar a cidade através da transformação individual. Como mostrar que as falhas da cidade são nossas falhas, que a nossa construção depende da cidade e vice-versa. Como traumas pessoais ou políticas autoritárias reverberam nessas duas atmosferas que, na verdade, são uma. Refletir sobre a diferença entre uma coisa e outra é uma escolha, ainda mais que o material é o mesmo.

OP: Como você tem mantido sua produção em uma situação de isolamento social? É possível continuar falando de cidades sem transitar por elas?

P: Cara, minha produção de fato mudou, eu tenho variado mais as linguagens, tenho escrito e rascunhado mais, tirado mais fotos. Valorizado mais o ócio criativo, escrito mais minha ideias, então, tenho produzido menos peças finais, mas tenho criado algo mais denso, mais bruto, acredito, com mais sentimento, menos racional, mais impulsivo, mas enfim, criei materiais a serem trabalhados.

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Sobre a pergunta das cidades, a gente parou de transitar pela cidade, mas estamos na cidade, a cidade não é só a rua, esse distanciamento entre minha casa e a cidade, que é de ninguém, ele não existe, não existe dentro e fora, é um só sistema. A cidade mudou e acho que principalmente agora que temos que falar mais sobre a rua em diversos aspectos. Repensar a cidade e a forma como a utilizamos é fundamental.

OP: Além dos seus murais nos prédios e viadutos, você possui também obras em papel e digitais. Esses experimentos em outras mídias afetam o resultado do seu trabalho feito nas ruas? Eles são complementares ou tratam de outras reflexões?

P: Geralmente os trabalhos em pequenas escala são em torno de temas mais pessoais, quando são trabalhos na rua, acho que a linguagem muda um pouco, apesar de que faz um tempo que eu não faço trabalhos na rua, tem sido bem esporádico, desde o nascimento da minha filha eu tenho me dedicado mais aos estudo de atelier. Mas em tudo que eu faço, sempre me sinto melhor quando eu expando os limites e experimento outras linguagens.

Imagem: Pina

OP: A pandemia do novo coronavírus é um assunto que você pretende abordar na sua produção, seja ela feita nas ruas, em papel ou digital?

P: Sim e não, a pandemia tem sim influenciado meu trabalho, não como elemento central, mas como uma luz sobre outras fraturas e reflexões acerca da sociedade e do indivíduo. Talvez meu trabalho passe a ser, nesse momento, menos sobre cidade, e passe a focar mais em relações sócio-políticas, como já tem acontecido nos últimos estudos feitos durante esse período de isolamento.

OP: Considerando que vivemos em um país infectado pelo mais grave reacionarismo, com um governo que veta recursos e subsídios para a cultura, como um artista mantém sua produção? Você come? Tem um teto pra viver?

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P: Eu não sei dizer como, só sei que tá funcionando, mas a incerteza tá aí, não sabemos até quando, não temos certeza de nada. Só sei que mesmo assim, ou, talvez, por isso mesmo, que a produção não para. Se tem trabalho, ótimo, se não tem, vou estudar, escrever ou produzir algo que alimente a alma. E que possa ser vendido, afinal, nesse equilíbrio, sem romantismos, a gente vai dançando com os problemas e atacando sempre que possível.

Imagem: Pina

OP: A pandemia tem impossibilitado o trabalho dos grafiteiros e estencialistas? Quais são seus próximos projetos?

P: Impossibilitado acho que não, mas gerou dificuldade sem dúvida, muitos projetos ficaram estacionados ou foram cancelados, na melhor das hipóteses adiados para meses à frente. Na rua, a pandemia sem dúvida diminuiu drasticamente os graffitis. E a prefeitura, ao menos em São Paulo, fez questão de aproveitar o período para pintar tudo de cinza, com essa cara de cidade abandonada. No segundo semestre eu tenho um projeto comercial de um mural e estou trabalhando na produção da próxima exposição que aconteceria no fim de agosto mas que está sem data definida.

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