O mito da casa limpíssima

“Nada me tira da cabeça que o mito da casa impecável só existe para acorrentar mulheres e pessoas de classes menos favorecidas às vassouras”

Imagem: Pyramis
por Rosa Amanda Strausz

Sei que vou mexer num vespeiro mas … Conheço poucos hábitos tão típicos de sociedades escravagistas quanto o mito da casa limpíssima. Acho que, agora, que muitos amigues já perceberam que a casa tem vida própria, que a poeira é a maior parceira da entropia, que as meias sujas não se encaminham para a máquina de lavar por livre e espontânea vontade, que a louça suja brota na pia como tivesse sido regada com o mais poderoso fertilizante, está na hora da gente começar a questionar o motivo pelo qual só nos sentimos felizes numa casa impecável.

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Ah, sim, os japoneses, tão bem representados pela Marie Kondo, conseguem. Jura que você acredita nisso? Acha mesmo que todas as casas japonesas parecem ter sido organizadas pela Kondo? Das japonesas não posso falar. Mas conheci um monte de casas europeias. De vários países. E nenhuma delas poderia ser enquadrada na categoria de casa limpíssima.

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Tive um casal de amigos alemães que fazia UMA boa faxina por ano na casa. Era a limpeza da primavera. E isso rendia um monte de piadas por parte deles. Tinham encontrado o cadáver de um alce verde debaixo da cama do caçula, uma coleção completa de meias sem par nas estantes da primogênita … e por aí a coisa ia.

O fato é que manter a casa impecável consome uma quantidade enorme de horas diárias. São as horas em que você deveria estar estudando. As horas em que você poderia estar lendo um livro, ou vendo um bom filme. Ou escrevendo seu próprio livro, ou planejando seu próprio negócio.

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Nada me tira da cabeça que o mito da casa impecável só existe para acorrentar mulheres e pessoas de classes menos favorecidas às vassouras. Tenho uma amiga, de 20 anos, que se sente culpadíssima (ou incomodadíssima) quando vê uma poeirinha na casa. Ela tem um ENEM pela frente. Tem uma vida que depende do quanto conseguir estudar agora. Mas só consegue repetir: a casa da minha mãe é impecável. Eu acredito. E fico me segurando para não dizer: o tempo que sua mãe levou limpando a casa daria para ter concluído o Ensino Médio.

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Acho que se tem uma coisa que a pandemia está ensinando para a classe média brasileira é que a casa impecável tem um custo. E esse custo é bem alto. Ele devora a vida intelectual de alguém. Se não for da sua, vai ser a de outra pessoa.

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*Rosa Amanda Strausz é escritora.

5 comentários

  1. Dá pra ter a casa limpa em paralelo a outras coisas , é só questão de planejamento e organização. A opção e interpretação desses atos são pontos de vista que envolve gerações, ensinamentos socioculturais.

  2. Achei esse texto sem contexto. Quem não quer ficar numa casa limpíssima?? Alguém tem que fazer. Não necessário deixar de ler um livro, ver um bom filme. Estudar. Tudo questão de organização que tudo se encaixa. Eu adoro minha casa limpíssima e cheiroda. Olha as VESPAS (:

    • Existe uma pequena confusão aí. Casa limpíssima e casa organizada são duas coisas beeeem diferentes. Não sou adepta da casa limpíssima, até porque nunca vi ninguém ganhar uma medalha por isso, mas a organização nos poupa tempo e energia além de ajudar a clarear as ideias. Experimente encontrar a chave do carro no meio da bagunça geral e para piorar, de cabeça quente, é stress na certa. Agora, uma sugeirinha não mata ninguém.😉

  3. pessoal achando que autora tá criticando quem tem a casa a limpíssima. A falta de reflexão que as pessoas tem demonstrado ter sobre os assuntos só mostra o quanto elas precisam parar de limpar a casa e irem ler uns bons livros, apreciar umas boas músicas, uns bons cafezinhos e etc sem a pressão de estar com tudo no lugar, só pra refletir msm!

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