Nostalgia e fascismo: o capitalismo sem um futuro a oferecer

O capitalismo produz e reproduz a nostalgia por meio de seus aparatos culturais porque não é capaz de oferecer uma perspectiva de futuro

Imagem: Glasshouse Images / Shutterstock
por Vitor Ferreira

Nostalgia pode ser descrita como uma sensação de saudade idealizada e parcial, e às vezes irreal, que abarca momentos únicos da vida do ser, momentos vividos no passado associados a um desejo sentimental de regresso, de reviver aquele momento desconsiderando tudo o que levou e que foi necessário para a produção daquele momento. É um certo sentimento impulsionado por lembranças de momentos felizes e antigas relações sociais em uma parcialidade e particularidade que desconsidera a totalidade. A nostalgia é cada vez mais presente no sentir do ser atual e isso se dá muito por conta da redução dos horizontes futuros das classes trabalhadoras, de um século XXI com pouquíssimos instrumentos concretos de luta que estimulem os trabalhadores e os auxilie nas lutas de classes física e no campo das ideias criando possibilidades reais para os povos oprimidos.

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Nesse sentido é preciso entender e disseminar que o capitalismo nos dias de hoje opera como se fosse uma espécie de vampiro, não possui mais nenhuma vitalidade e vai sugar até a última gota de sangue possível da classe trabalhadora e dos recursos naturais do planeta. Como disse Malcolm X: “O sistema capitalista precisa de algum sangue para sugar, o capitalismo costumava ser como uma águia, mas agora é mais como um abutre… Se o capitalismo tem menos vítimas é menos sangue para sugar, ele torna-se cada vez mais fraco”. Nem o neoliberalismo pode entregar absolutamente mais nada de novo, não há mais avanços civilizatórios e de sociabilidade, tudo se resume a desenvolvimento tecnológico, mas esse desenvolvimento se restringe em uma repetição das mesmas coisas já existentes com roupagens novas, ou um jeito novo de fazer a mesma coisa, uma impressionante velocidade do presente que não alcança de forma alguma um futuro e com isso acaba sempre recorrendo ao passado como um resgate para a realidade em prol do novo — de novo.

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Esse modo de operar ou essa operação inoperante é refletida em todos os aspectos da vida, não é mera coincidência a indústria cultural e cinematográfica ter nas últimas décadas como seu carro chefe o retorno dos velhos heróis de quadrinhos do século passado, ou mesmo o retorno dos clássicos sucessos da Disney como o Rei Leão, Mogli, Tarzan e as princesas da Disney. A diferença agora é que todos possuem efeitos especiais extraordinários. Não poderia deixar de mencionar a tentativa de resgatar e ampliar a franquia Star Wars, outro grande sucesso do século XX.

O mesmo ocorre na grande novidade dos serviços de Streaming, o serviço apresenta apenas um novo jeito de se ver filmes, séries e documentários e podemos dizer que no Brasil o serviço chegou no seu auge em 2016 com a série Stranger Things, uma série que nada mais é do que uma cópia total de estilo das produções das décadas de 70, 80 e 90, inclusive no seu aspecto anticomunista e de apologia ao capitalismo. Neste mesmo ritmo, ou na mesma falta de ritmo, temos a indústria da moda, e podemos citar as poderosas Nike e Adidas com esse reflexo, cada vez mais produzindo tênis de formatos antigos, “estilo anos 90”, roupas e casacos retrô, a moda vintage de maneira geral. No âmbito esportivo temos Neymar, ao assinar seu contrato com a Puma, fazendo sua estreia usando uma versão moderna da chuteira usada por Pelé e Maradona da mesma marca. Parece-me inevitável cada vez mais a tentativa de um resgate de um passado “glorioso” em todos os meios, desde cortes de cabelos e embalagens de produtos até os móveis de estilos rústicos. Não há produção inovadora e sempre há uma associação de alguma simbologia de bem-estar do passado. 

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Esse fenômeno por si só, como fato isolado apenas significaria uma crise de criatividade individual nas produções, mas como nada na vida social existe em isolamento, essa produção está completamente associada ao fato de que o sistema capitalista se esgotou em todas as suas formas e áreas. Existe uma crise individual e social, uma crise de identidade em completa sintonia com as crises políticas e econômicas mundiais, que permanecem nesses 20 anos de todo o século XXI. Essas crises em completa sintonia não podem oferecer de maneira alguma possibilidades inovadoras de saída no imaginário popular, todo esse modo de vida em crise total no século XXI, a todo momento e de todas as formas, implanta de forma objetiva e subjetiva na consciência dos povos que o passado era sempre melhor e isso acaba despertando monstros.

Capitalismo nostálgico

O capitalismo vampiresco do século XXI é um capitalismo nostálgico, um capitalismo de crise total que transforma suas vítimas, os trabalhadores e trabalhadoras, em seres depressivos. Esse capitalismo tocado pelas velhas burguesias tem como seus monstros do passado os atores políticos-ideológicos do fascismo e do nazismo, e como já disse Marx: “a história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”, no caso do Brasil é extremamente visível isso com o certo apelo ao retorno terrorista da ditadura-empresarial-militar.

No mundo ocidental em que os Partidos Comunistas e partidos revolucionários quase chegaram a se extinguir com o fim do campo socialista encabeçado pela União Soviética e que, ainda, em sua maioria esses partidos e movimentos são muito pequenos, e em que não houve nenhuma revolução no século XXI,  tudo que se apresentou e se apresenta de um passado-recente como alternativa são apenas variações dos partidos de direita, hora de forma neoliberal, hora de forma extremadamente neoliberal.

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A clara ofensiva burguesa que se reiniciou com a crise de 2008 nos Estados Unidos é o maior exemplo possível, as burguesias aliadas aos seus partidos de direita, para além de um sempre assassino neoliberalismo voltado às pautas econômicas, foi preciso também se utilizar de um armamento político-ideológico protonazifacista aterrorizante, instalado e se instalando em todo canto do mundo ocidental. Exemplos disso são os governos de Bolsonaro e Paulo Guedes no Brasil, Trump nos EUA, Boris Johnson Reino Unido com o Brexit, Volodymyr Zelensky na Ucrânia, entre outros, todos com discursos anacrônicos, revisionistas e de “voltar a ser grande”, de trazer uma imagem de um passado, de falarem em nome de um passado, de trazer algo do passado, de “resgatar” qualquer coisa, que na maioria das vezes nem existiu.

Sem condenação para o nazismo

Uma expressão dessa ascensão nazifascista enquanto alternativa nostálgica é o ocorrido no último dia 16, em uma votação num congresso das Nações Unidas (ONU) sobre a eliminação do racismo, xenofobia, intolerância e a criminalização do nazismo, onde grande parte dos países “desenvolvidos”, de “primeiro mundo”, abstiveram-se nessa votação. Inclusive, os dois pontos mais perigosos e alarmantes nessa situação foi em primeiro lugar a maior máquina de guerra armada da história do mundo, os Estados Unidos da América votando contra a criminalização do nazismo, e os pais fundadores do nazifascismo no mundo se abstendo de votar, falo aqui de Alemanha, Itália e Japão. É claro que o posicionamento desses países não deveria ser algo surpreendente, dadas as suas histórias, seu passado e presente “gloriosos” forjados através de atos terroristas e genocidas em relação à colonização, extermínio dos povos indígenas, escravidão, apartheid e guerras.

As potências como Inglaterra, França, EUA e os países “modelo” como Suécia, Suíça entre outros desses pequenos países parasitas que estimulam as dependências do “terceiro mundo”, nunca tiveram grandes contradições com os regimes nazifascistas até que esses regimes ameaçassem seus interesses particulares. Enquanto o nazifascismo operava dentro de seus territórios nacionais matando, segregando, escravizando, torturando aqueles classificados como inimigos internos e ainda entrando em conflito com a União Soviética, posicionando os comunistas como inimigos externos para apagar o horizonte revolucionário dos povos, não houve grandes contradições, pelo contrário, houve sim elogios como o de Winston Churchill dizendo que Mussolini era “o maior legislador entre os homens”. O neonazismo e o neofascismo são instrumentos extremos de manipulação ideológica e nostálgica das burguesias no projeto do neoliberalismo de acumulação do capital, além do óbvio que é ser um projeto de fechamento de regime se necessário.

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O futuro não é vintage

Os e as comunistas em organizações precisam estar no centro do debate, quando essa janela histórica se abriu em 2008 estávamos longe de estar preparados com o projeto político de concreta alternativa, os meios culturais e todos os outros meios estavam completamente dominados e sem disputas no campo das ideias, o passo em frente que o mundo queria e deveria dar através da radicalidade revolucionária em busca de um futuro se tornou um recuo na direção de uma versão extremista do próprio sistema, da própria realidade cansada de nostalgia. A revolução em prol da transição socialista para o comunismo é de fato o único meio alternativo de quebra por essa busca incessante do passado em negação do presente sem rumo ao futuro, o comunismo sempre foi e ainda é a ideia possível da sociedade do futuro, de uma ruptura total com o modo de vida capitalista, de uma nova forma de organização social, superior a esta.

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É preciso mais atenção dos revolucionários e revolucionárias em todos os campos da vida social, em toda a produção e reprodução da vida social, pois sabemos que nada é desconexo e tudo é político! E o sentimento de nostalgia ao mesmo tempo é produzido e reproduzido pelo sistema capitalista, é um sintoma puro de sua ineficácia, um sintoma de que a necessidade de superação sistêmica é urgente e que os campos de atuação das esquerdas precisam ser ampliados. A disseminação das ideias revolucionárias, do comunismo e do marxismo, necessitam ser popularizadas, pois, parafraseando Lênin: “as condições objetivas para a revolução a história produz, as janelas sempre se abrem, mas as condições subjetivas para fazermos a revolução, essa é precisamente a tarefa dos revolucionários, disputar e disseminar todos os dias de forma organizada a trincheira das ideias e das subjetividades das classes trabalhadoras”, até a vitória, pelo futuro.

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