Em sua forma mais pura e intocada, o misto de safadeza, inocência e perspicácia do brasileiro nos coloca em primeiro lugar quando a discussão é a utilização do humor como forma de amenizar os socos que a vida nos dá todo santo dia.

por Santiago Vargas
O meme nasceu para o brasileiro. Já estávamos contaminados por ele antes da pandemia do COVID-19 desembarcar nas terras tupiniquins, em aviões lotados de paulistanos de classe média voltando de uma Europa em colapso. Como tudo feito no estrangeiro, ao chegar aqui, o meme foi aprimorado pela nossa perspicácia e safadeza, tal qual o futebol, o miami bass – transformado no pancadão carioca nos anos 90 – e o sushi, no qual incorporamos o morango, a goiabada e o cream cheese.
Termo criado em 1976 pelo nada safado escritor britânico Richard Dawkings, em seu bestseller O Gene Egoísta, meme é “uma unidade de evolução cultural que pode de alguma forma autopropagar-se”. Podem ser ideias, línguas, sons, desenhos, capacidades, valores estéticos e morais, ou qualquer outra coisa que possa ser aprendida facilmente e transmitida como unidade autônoma.” Depois de uma exaustiva pesquisa na Wikipédia, apuramos que existe um debate científico extenso em torno do conceito, com ramificações linguísticas, simbólicas e comportamentais. Paramos antes de ter um derrame.
Na internet, meme se resume a uma ideia replicada pelos amigos navegantes, segundo Dawkings “de uma mente para outra”. Uma informação que se dissemina como um vírus, por páginas, blogs, redes sociais e diferentes plataformas de compartilhamento. Essa informação pode ser formulada por um usuário comum, com uma imagem, hiperlink, vídeo, hashtag, gif, ou mesmo apenas uma palavra ou frase. O meme não necessita de campanhas, empresas, figurões ou impulsionamento financeiro para atingir milhões de pessoas. Só da criatividade do anônimo que o pariu.
Lá fora o meme foi inicialmente popularizado por sites e fóruns restritos, como 9GAG, 4chan, Reddit e Infinitychan desde o início dos anos 2010, mas foi graças a criatividade e esculhambação da mente criativa do brasileiro que ele tomou conta das redes sociais de forma viral no decorrer da década. Seja num passado recente, circulando por Facebook, Twitter e Youtube – antes da Crise das Infinitas Lives do Isolamento – seja nos dias de hoje, chegando via grupo de ZAP, stories do Instagram, ou pela rede de conspiração comunista chinesa TikTok, o meme made in BR se tornou lugar comum em diferentes classes sociais e faixas etárias. Desde o Nada Acontece Feijoada, Cala Boca Galvão, Luiza no Canadá, Starterpacks, Bettina da Empiricus, Sanduiche-iche, até as centenas de gifs da Gretchen, Dorime Ameno, Pé de Fava, e milhares de figurinhas de WhatsApp, que levam adiante a zoeira a milhões de usuários. Hoje a produção é tão grande e veloz, que, para uma catalogação das piadas, seria necessário um orçamento maior que o do Ministério da Cultura da ilustre Regina Duarte.
Nada como um vírus mais forte para substituir o anterior. Com o isolamento social imposto pela pandemia, e com um governo que nem precisa ser caricaturizado para fazer rir, a criatividade ociosa do povo foi a mil. O meme brasileiro anabolizou-se com a chegada do Coronga e tomou as redes na forma do poderoso MEMEVID-2020. Somos diariamente curados da angústia de não saber o que nos espera no dia seguinte por piadas de anônimos, correndo feito festim em grupos de família, trabalho e amigos, em diferentes plataformas. Até o fechamento dessa matéria, o auge do auge foi atingido pela conta @morreuounão no Twitter, que, tendo criado ou não a idéia, replicou a imagem de africanos carregando um caixão enquanto dançam música eletrônica, antecedidos por qualquer piada com morte. O meme, em meio à pandemia, viraliza piadas com o enterro da população infectada, e ao mesmo tempo suaviza o clima apocalíptico, se firmando como um sofisticado produto social – e quiçá artístico –, que democratiza a produção de humor e supera caras campanhas impulsionadas por burgueses safados. Mesmo brincando com morte em um caos social, meme é vida.