Como vai a saúde mental das crianças na pandemia?

Como fica a cabeça dos pequenos confinados que estão crescendo no meio de um governo genocida e uma pandemia sem data para acabar?

por Beatriz Luna Buoso

“Mãe, por que vou ficar mais um ano sem festa de aniversário? Por que meus amigos não podem vir na nossa casa? Será que as aulas serão on-line para sempre?”

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Há mais de um ano venho respondendo perguntas como essas, dos meus filhos de 11 e 7 anos, diariamente. São muitos os questionamentos, assim como as mudanças de comportamento.

Nesse período também tenho conversado com mães que tiveram seus filhos em plena pandemia. Bebês de um ano que nunca viram outra criança. Que estão se desenvolvendo, falando suas primeiras palavras, dando seus primeiros passos, sem nunca terem visto outro bebê. Passando por todo o processo somente no meio de adultos.

Devido à pandemia e ao perigo das novas cepas, ainda mais mortais, atualmente é essa a realidade de muitas crianças e adolescentes. E o que nós, pais, questionamos é: que tipo de efeito isso terá na vida dos nossos filhos? Quando tudo isso irá acabar?

A pandemia parece arrancar momentos importantes da infância das crianças. De repente, os pequenos foram arrancados de sua rotina e trancafiados em casa sob a ameaça de um inimigo tão cruel, que eles nem sequer podem ver. “O vírus do mau” que está aparecendo frequentemente nos desenhos deles no lugar dos super-heróis, e está impactando o desenvolvimento das nossas crianças. O que começou com uma emergência de saúde, acabou se transformando também numa brutal crise de saúde mental entre as crianças e adolescentes.

Atenção à saúde mental dos pequenos

A ausência de rotina, afastamento da escola, dos amigos, distanciamento da família, perda de entes queridos, instabilidades nos empregos dos pais e crises econômicas na família trazem uma série de impactos negativos para a saúde mental das crianças e adolescentes. 

Um levantamento realizado na província chinesa de Xianxim com 320 crianças e adolescentes revela os efeitos psicológicos mais imediatos da pandemia: dependência excessiva dos pais (36% dos avaliados), desatenção (32%), preocupação (29%), problemas de sono (21%), falta de apetite (18%), pesadelos (14%) e desconforto e agitação (13%).

Claro que tudo isso varia muito de acordo com a idade da criança, o contexto familiar e social, e mais importante ainda: a forma como os adultos lidam com a situação.

“Na primeiríssima infância, nos primeiros mil dias do bebê, ele só vai perceber o estresse em função da interação com a mãe ou o cuidador. Já em crianças entre 3 e 6 anos, o impacto será sentido em termos de organização da nova rotina, tentativas de entendimento das mudanças e até uma possível relação com a doença e a morte. Fora que, nessa fase, elas necessitam de mais espaço para explorar o mundo, o que faz parte da aprendizagem e do desenvolvimento cognitivo”, explica Guilherme Polanczyk, professor de psiquiatria da infância e adolescência da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) em entrevista para a revista Veja.

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É um momento em que os pequenos não estão gastando energia suficiente, então é comum observarmos certa agitação, irritabilidade, alterações no sono. São sinais de ansiedade. Os sinais regressivos também, como por exemplo, voltar a usar chupeta, ir para a cama dos pais, retroceder no processo de desfralde, a fala ficar mais infantilizada.

Todas essas alterações no comportamento, surgem a partir do estresse derivado da própria pandemia – que por si só traz muitas incertezas – e também das medidas de distanciamento social instituídas para frear a propagação do vírus.

O resultado pode ser a interrupção do desenvolvimento saudável do cérebro, o que leva a mudanças bruscas no comportamento, diminuição da imunidade, ansiedade e depressão.

É importantíssimo não menosprezarmos de forma alguma esses sinais das crianças. Ansiedade e depressão na infância existem sim. E podem ser tão intensas quanto é nos adultos. 

Fechamento das escolas

Cada criança tem feito seu isolamento de uma forma, de acordo com a sua realidade. Mas uma coisa é comum: em algum momento da pandemia todos se afastaram da escola.

Com esse afastamento, a criança perdeu um importante espaço de socialização e aprendizagem, além da referência de conduta que não está mais nos educadores e nos colegas, mas sim concentradas nas pessoas que moram com ela na mesma casa.

Para muitas crianças, a escola é sua única rede de apoio, é onde ela manifesta sintomas que apontam para um sofrimento psíquico, por exemplo. Para grande parte das crianças brasileiras, é o único lugar onde aprendem, se alimentam, recebem afeto e cuidados.  De acordo com um levantamento feito pela UNESCO, já é bem visível o impacto do fechamento das escolas para as pessoas nas diferentes comunidades. Porém, é particularmente grave para os meninos e as meninas mais vulneráveis e marginalizados, assim como para suas famílias. As perturbações resultantes daí exacerbam as disparidades já existentes nos sistemas educacionais, mas também em outros aspectos de suas vidas, incluindo má nutrição, maior exposição à violência, exploração sexual, gravidez na adolescência e aumento das taxas de abandono escolar.

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A opção do ensino remoto, num país tão desigual como o Brasil, não vem tendo sucesso também. Cerca de seis milhões de alunos brasileiros não têm acesso à internet. Segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), aproximadamente 5,8 milhões são estudantes de instituições públicas.

Com os dados que destaquei acima, fica claro que a gestão pública da pandemia tem sido extremamente desigual. Podemos supor que nossas crianças brasileiras estão sofrendo muito mais impacto com a pandemia do que as crianças de países em que o governo usou o conhecimento científico e especializado disponível para enfrentar a emergência sanitária.

Sobre esse importante assunto, reproduzo aqui um trecho do manifesto Ocupar Escolas, Proteger Pessoas, Recriar a Educação, assinado por várias organizações ligadas à educação e à saúde:

“A pandemia desagregou o sistema educativo e a discussão sobre sua reorganização mantém-se no dilema da volta ou não às aulas presenciais. Um problema complexo, com vários níveis, dimensões e interfaces, foi simplificado como se fosse uma simples escolha dual: abrir escolas ou manter suspensas suas atividades. Pior, a suposta dicotomia rede pública e privada, utilizada com frequência para sustentar a desvalorização do que é público estatal, é falaciosa mesmo se tocarmos exclusivamente na questão da infraestrutura. É preciso construir caminhos para superar o negacionismo e os falsos dilemas no campo da Educação.

É necessário questionar desde logo o termo retorno. Não é possível retornar na vida, é preciso seguir e refazer, reinventar, recriar. As vivências desse período podem ensejar aprendizagens, a vida na pandemia se faz de acontecimentos que devem ser trazidos para as construções curriculares que acontecem no chão da escola, mesmo que agora em espaços virtuais. Não se trata de cumprir currículos ou repor saberes escolares, mas de fazer do processo vivido durante a pandemia uma oportunidade de troca de saberes e experiências, momentos de fortalecimento de laços pessoais e sociais. Momentos de resistência criativa e solidariedade com as comunidades escolares.

Nesse aspecto, são necessárias políticas de inclusão digital específicas para os estudantes que necessitem, com fornecimento de equipamentos e acesso à internet para atividades educacionais. Reabrir e ocupar os espaços institucionais da educação implica, enfim, questionar se, como sociedade, estamos satisfeitos/as com o modelo de escola que concebemos, construímos e reproduzimos ou se, ao contrário, vale a pena lutar para rever o que é a escola e, com isso, recriar a educação”.

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Um ponto importante destacado no manifesto e defendido por profissionais da educação de todo país é que não há retorno possível na atual situação. Simples. Abrir as escolas antes dos profissionais de educação serem vacinados e as autoridades sociossanitárias tiverem convicção de que é seguro abri-las, é genocídio. Não tem outro nome possível. 

O papel da família

Como os adultos ao redor irão perceber e acolher as dores das crianças nesse período de isolamento social, será um exemplo que marcará profundamente a formação de cada um. Falo em “perceber”, pois estamos falando de seres em formação, que muitas vezes não sabem expressar como e porque sofrem. É trabalhoso e estressante todo esse cuidado com os filhos na pandemia, mas não dar a devida atenção nesse momento, pode ser mais complicado e ter efeitos mais longos. 

Para as crianças maiores, que já passam a ter uma compreensão maior da situação e têm acesso fácil à informação, é importante que os adultos as orientem sobre as notícias, a importância do isolamento e mantenham diálogos honestos.

É uma lição para toda a vida. Educar uma geração que com certeza terá que lidar com situações de emergência global de saúde pública também e que esperamos que não cometam os mesmos erros de parte da nossa geração. Nas crianças brasileiras principalmente, a situação ganha um contorno muito mais dramático, pensando nas responsabilidades que terão que assumir para lutar e conseguir por ordem neste país um dia.

A frase “Educar é um ato político” nunca fez tanto sentido. 

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Temos um Presidente da República que comete crimes contra a humanidade todos os dias bem na nossa cara. Jair Bolsonaro está sendo o principal propagador desse vírus, é o responsável pela morte de mais de 300 mil brasileiros. Nesse momento a questão não é só votar. É educar as gerações futuras. Passar segurança para nossos filhos nesse momento tão triste que estamos vivendo, e para as crianças mais velhas, dar o exemplo de que é preciso se posicionar e lutar contra esse tipo de política.

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