O atual vencedor de Sundance, candidatíssimo a entrar para a programação da Sessão da Tarde, é daqueles filmes para ver despretensiosamente e chorar sem ser de raiva ou frustração

por Henrique Nunes
Quando anunciou, em 2020, Minari como o grande vencedor, o júri do Festival de Sundance já havia dado sinais de que não queria mais ser o filho indie da grande indústria do cinema. Não que o belíssimo filme de Lee Isaac Chung, americano de pais coreanos, tenha nascido para ser um blockbuster. Mas é inegável que a obra, que também concorreu ao Oscar, fugia dos padrões do evento conhecido por privilegiar autores estreantes e roteiros, digamos, nada convencionais.
No ano seguinte — ou seja, neste interminável 2021 — veio a confirmação dessa tendência mais pop do festival ao dar o prêmio principal para CODA, outra história adocicada sobre relações familiares e que tem conseguido a proeza de cativar quase que de forma unânime tanto público quanto a crítica especializada — no Rotten Tomatoes a aprovação é de quase 100% para ambos.
Para entender tamanha aclamação é preciso, antes de tudo, deixar claro que não se trata de um roteiro original. Na verdade, CODA é um remake do filme francês A Família Bélier, lançado em 2014, e que também fez grande sucesso à época.
A adaptação americana, financiada pela Apple após pagamento de 25 milhões de dólares pelos direitos autorais, muda pouca coisa na história — a principal delas é trocar a profissão dos pais da protagonista. Eis o enredo: Ruby, de 17 anos, é a única pessoa que ouve em uma família de surdos. Ela, seu irmão e seu pai trabalhavam num barco de pesca, tudo vai bem, até ela se inscrever no coral da escola – para desespero de todos. Entre idas e vindas, ela terá de escolher entre a paixão pela música ou seguir como a “intérprete” da família.
Aqui um parêntese: se você conseguir encontrar A Família Bélier, vai sem medo; senão, siga o caminho mais fácil e fique com CODA. Como não vi o francês, obviamente me dedicarei à segunda opção. Não vou me preocupar com comparações, tampouco com quem acha injusto o sucesso da versão estadunidense.
Voltemos ao tema principal desta coluna. A visibilidade dada a CODA após a conquista em Sundance talvez explique a euforia causada pelo filme mundo afora. Mas essa não é a razão principal. O que o transforma no mais bonito filme da temporada não é a originalidade da história, mas a maneira como ela é contada.
Com elenco cativante e afinadíssimo, destaque monumental à protagonista Emilia Jones, CODA trata de temas espinhosos com delicadeza, humor e uma jovialidade que o coloca no mesmo panteão do francês Os Intocáveis (cuja adaptação americana não chega aos pés) e o delicioso Extraordinário – talvez o filme que mais vi gente chorar dentro do cinema.
Note que não estamos na prateleira dos filmes de arte, dos achados cults apresentados em Sundance no passado, tampouco de alguma pedrada inusitada lançada pela produtora A24. CODA e os outros exemplos citados são dramédias despretensiosas, filmes feitos para sair do cinema, passar pelo streaming e partirem direto às sessões em família da TV aberta.
Mas não é exatamente isso que a gente precisa em momentos de tragédias ininterruptas? Não é esse o supérfluo necessário que tanto clamamos quando não aguentamos mais falar de política?
CODA é assim. Um combo de recursos batidos, mas que são utilizados de maneira tão certeira que, mesmo imaginando o que vai acontecer, não conseguimos segurar a emoção. E se você ainda quiser, poderá encontrar lições sobre autoestima, crítica ao vitimismo, belas passagens sobre inclusão sem moralismos e, sobretudo, uma visão otimista da vida — sem cair na famosa “cagação de regra”.
Em CODA, choramos livremente e, em cada lágrima, há também uma pequena dose de frescor e motivação para nos abstrair deste mundo carregado de tristezas. Desse clima pesado e tóxico que nos rodeia.
Que Sundance continue sendo mais lírico e menos pretensioso — sem nunca deixar de nos emocionar.